quarta-feira, 2 de março de 2011

Que seja leve


A paixão (do verbo latino, patior, que significa sofrer ou suportar uma situação difícil) é uma emoção de ampliação quase patológica. O acometido de paixão perde sua individualidade em função do fascínio que o outro exerce sobre ele. É tipicamente um sentimento doloroso, porque, via de regra, o indivíduo perde a sua identidade e o seu poder de raciocínio.

Essa é a definição da Wikipédia para a paixão. Achou sombria demais? Pois é, eu também. Apesar de concordar com tudo o que está dito ali. Mas hoje, excepcionalmente, quero me desprender um pouco da razão que, a gente bem sabe, não é lá muito chegada na espontaneidade. Aproveitando que essa semana é carnaval, vamos mandar nosso bom senso às favas e viver desenfreadamente, destemperadamente! Enfiar o pé na jaca! Sem amarras, sem receios! Se a ressaca vier, a indústria farmacêutica tá aí pra isso! E se junto com a ressaca, vierem algumas cicatrizes, no problem, ostente-as de cabeça erguida. Marcas de pessoas que vi-ve-ram! Porque, cá entre nós, se você estivesse numa livraria tendo que decidir entre duas biografias para ler nas suas próximas férias, uma do Tony Ramos e outra da Vera Fisher, qual das duas você leria? Nada contra o Tony, acho autêntico e verdadeiro seu eterno amor por Lidiane. Porém, a biografia de Vera, a mais hollywoodiana de nossas atrizes, nossa Fênix platinada, deve ter um enredo mais interessante, cheio de reviravoltas, altos e baixos. Talvez mais altos do que baixos. Porque assim é a vida de uma pessoa passional. Mas, do fundo do meu coração, desejo uma única coisa depois de passado o vendaval: que seja leve. Como leves são as músicas que quero, talvez, apresentar-lhes hoje.

A primeira, tenho quase certeza, que você já ouviu. Gravada pela primeira vez em 1984, foi regravada diversas vezes por artistas como Roupa Nova, Elba Ramalho e Ivete Sangalo, essa última tendo entrado na trilha sonora de Suave Veneno em 1999.

A segunda foi gravada em 2000 e faz parte do álbum de estréia desse cantor, Zum Zum, que conheci quando passava uma temporada numa cidade do litoral do Espírito Santo chamada Carapebus.

Estou falando de Frisson do Tunai e Escândalos de Luz do Affonsinho, dois cantores mineiros. Tunai, que é irmão do cantor João Bosco, nasceu em Ponte Nova, cidade vizinha da minha e começou sua carreira no final da década de 1970, tendo ganhado notoriedade em 1984 com a gravação de Frisson no disco Em Cartaz. Affonsinho, cantor ainda pouco conhecido do grande público, mas muito conhecido do público mineiro, é um talentosíssimo compositor e intérprete da nova geração da MPB.

Resolvi quebrar o protocolo e falar de duas músicas ao invés de uma, porque acho que essas duas canções são muito parecidas no seu jeito de nos falar desse amor leve, descompromissado, sem rotinas. Ou seja, o amor em seu estágio inicial, mais conhecido como paixão. Aquela fase em que a gente fala ‘eu te amo’ sem planos, sem compromisso de ser feliz porque já se está sendo feliz.

“Todos os que já tiveram um amor sem nojo nem medo, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem.” Nos diz Caio F. em sua crônica Zero Grau de Libra. É aquele momento bobo em que depois de uma conversa banal, voltamos para casa suspirando, com o rosto inteiro rindo, cantando La Vie en Rose. Ou como nos diria Cazuza em Eu Preciso Dizer que Te Amo: lembrando em cada riso teu qualquer bandeira/fechando e abrindo a geladeira a noite inteira.

É a fase onde tudo é intenso, vermelho. Onde se criam todas as expectativas. Um lugar onde, sem percebermos, tomados pela pulsão de vida que esse sentimento nos dá, estamos, na verdade tão perto da morte, já que vamos morrendo, aos poucos, por tudo. Morremos de saudade, de ansiedade, de tesão, de insegurança, de vontade de ser correspondido e de medo de não ser. Mas mesmo assim flutuamos, deliciosamente alienados. Não queremos ser avisados dos perigos que nos rodeiam.

Segundo o filósofo André Comte-Sponville, estar apaixonado é um estado; amar é um ato. Ora, um ato depende de nós, pelo menos em parte, podemos querê-lo, nos empenhar nele, prolongá-lo, mantê-lo, assumi-lo. Mas e um estado? Prometer continuar apaixonado é se contradizer nos termos. Seria como prometer que teremos sempre febre, seremos sempre loucos.

Mas o que fazer então? Se você bem se lembra, comecei esse post, mandando a prudência às favas e assim quero terminá-lo com as palavras da minha guru Elizabeth Gilbert:

“As sensações mais extasiantes que já tive na vida surgiram quando me consumia na obsessão romântica. Esse tipo de amor nos deixa super-heroicos, míticos, mais do que humanos, imortais. Irradiamos vida; não precisamos dormir; o ser amado enche nosso pulmão de oxigênio. Por mais que, no final, essas experiências sejam dolorosas, detestaria ver alguém passar a vida inteira sem saber como é metamorfosear-se euforicamente no ser de outra pessoa.

E espero que vocês se deleitem com essas duas canções leves, românticas e poéticas. Que os corações que já batem pouco, acelerem. Que a brisa do mar nos carregue prum lugar bom e nos conte que a vida é boa.

Frisson

Composição: Tunai/Sérgio Natureza

Meu coração pulou
Você chegou, me deixou assim
Com os pés fora do chão
Pensei, que bom, parece enfim acordei
Pra renovar meu ser
Faltava mesmo chegar você
Assim sem me avisar
Pra acelerar um coração que já bate pouco
De tanto procurar por outro
Anda cansado
Mas quando você está do lado
Fica louco de satisfação
Solidão nunca mais

Você caiu do céu
Um anjo lindo que apareceu
Com olhos de cristal
Me enfeitiçou
Eu nunca vi nada igual
De repente, você surgiu na minha frente
Luz cintilante
Estrela em forma de gente
Invasora do planeta amor
Você me conquistou

Me olha, me toca, me faz sentir
Que é hora, agora, da gente ir


Escândalos de Luz

Composição: Affonsinho

Vou pedir pro céu ficar azul demais
Pro cheiro da flor do manacá te perfumar
Eu vou te levar pra ver o amor passar por toda cidade
Em cada lugar tão longe que parece nem ser de verdade

Vou pedir pro sol ficar até mais tarde
E a brisa do mar nos carregar pra algum lugar bom
Eu vou te contar que a vida é boa [muito boa]
Se você não vai o tempo vai e voa [como ele voa]

Vou fazer barulho até você notar
Anjos e escândalos de luz vão te acordar
Ninguém vai te dar o que você não é
A felicidade nesse mundo é pra quem quer

Dedico este post a Danilo Adomaitis que está prestes a deixar a segurança do seu mundo por amor.




Um comentário:

  1. Obrigado pelo lindo post, Rique.
    Não tenho muitas palavras para escrever aqui: leva-se um tempo para assimilar o que você escreve, porque brinca com o que todos já sentimos e passamos, e ao mesmo tempo fala sério e encoraja a mudança, a prosperidade. Obrigado.

    ResponderExcluir