sexta-feira, 25 de março de 2011

Se fiquei esperando meu amor passar




Tom Jobim cantou que fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho. E a humanidade parece fazer coro com ele. Uma pessoa sozinha parece ser uma ferida aberta no meio da sociedade. ‘Como assim ela tem 40 anos e nunca casou? Não tem um filhozinho sequer?’ São essas mesmas pessoas que pregam pelos bons valores familiares, que sonham em viver a vida inteira ao lado de uma outra pessoa, completar bodas de diamantes, sabe o que é isso? Você já foi numa boda de diamantes? Uma festa em que um casal completa 75 anos de casamento? Se tiver ido, por favor, me envie as fotos. Quero ver se Nefertiti está conservada. Mas nessa mesma foto onde o casal de matusaléns ocupa o lugar de destaque do centro, deve ter ao redor, em alguma ramificação dessa família, aquela bisneta adolescente de cabelo cor de cenoura e piercing no nariz achando tudo um porre.

Toda família tem sua ovelha negra ou cor de rosa. Mas o que fica para contar são as histórias edificantes, as que deram certo. Os errados e errantes vão sendo colocados de lado. Citados uma vez ou outra nas conversas de família como exóticos, divertidos (o que já é um elogio) ou doidos. Já reparou como as pessoas usam as palavras ‘doido’ ou ‘louco’ para definir aquela pessoa que não pensa igual a elas? 'Fulano é doido demais' 'Ciclano não bate bem da cabeça'.
As pessoas que carregam uma autonomia, um poder de decisão sobre a própria vida parece ser uma afronta pr’aquela matrona que se sacrificou a vida inteira para criar os filhos. ‘Ai, Dona Judite é uma mulher tão boa. Criou os cinco filhos com a barriga no tanque’. Em compensação, uma mulher solteira que resolve torrar seu cartão de créditos sem limites na Fifith Avenue é taxada de vagabunda.

Quer realmente ofender uma mulher? Chame-a de solteirona, de encalhada. Pior ainda, diga que ela é mal amada ou mal comida, o que, nesse caso, dá no mesmo. Ofender uma pessoa chamando-a de mal comida é de um provincianismo que me assusta. Existem tantas características que podem definir a personalidade de uma pessoa e você vai resumir toda a psique dela pela qualidade/quantidade de sexo que ela tem feito? Então isso quer dizer que não existem celibatários bem humorados. Aqueles hare krishnas sorridentes que eu vejo freqüentemente na Paulista de vestes coloridas e convidando as pessoas para participarem de celebrações são alucinações da minha mente? Ai, eu sou uma pessoa muito doida mesmo. E não preciso ir muito longe, não. Tenho amigos que ficam bem durante um bom tempo sem sexo. Existem outras formas de orgasmo que não o sexual. Ângela Rô Rô chegou a dizer que hoje em dia sente mais prazer comendo um chuchu cozido no vapor do que transando. Eu mesmo tenho uma tática: sempre que você for sair à caça, faça o seu doce preferido e guarde na geladeira. Se no final da noite, tudo tiver sido um desastre, quando você chegar em casa e abrir a geladeira, vai ver aquela travessa de curau sorrindo pra você, então devore-a inteira. Você vai ver que nem precisava ter saído.


Abro o post com essa longa introdução porque é sobre isso que a música de hoje fala: sobre as vantagens da solteirice, sobre o mundo que se descortina à sua frente se você estiver disposto a enxergá-lo. Se é verdade o que nos disse Zélia Duncan quando cantou ‘Solidão, quem pode evitar? Te encontro enfim’, façamos dessa Senhora Dona Solidão nossa amiga e andemos de mãos dadas com ela. Como nessa música que foi gravada pela primeira vez em 2002 pelo Capital Inicial e regravada em 2004 pela Nila Branco, que é a versão que gosto mais.

Nila que ficou conhecida no cenário nacional em 2002 por causa de sua música Diversão que entrou na trilha sonora da novela Desejos de Mulher, é uma das cantoras mais interessantes do pop contemporâneo nacional. Com sua voz grave e limpa, essa mineira nascida em Unaí, vem desbravando um espaço importante no Centro-Oeste brasileiro (com sua tradição sertaneja tão arraigada) para o pop/rock nacional. Se você ainda não parou para prestar atenção nessa cantora, sugiro que dê uma ouvida na ótima Seus Olhos. É o que basta para se viciar. Como não querer ouvir mais e mais de uma cantora que canta coisas tão poéticas quanto: Você já me viu séria/Já me viu de porre/Me viu fazendo drama por tua desordem/Mas triste eu nunca quis que você me visse.


Mas voltando ao tema de hoje, a música que quero tentar ‘decifrar’ se chama Pra Ninguém e começa da seguinte maneira: Ninguém pra ligar e dizer onde estou/Ninguém pra ir comigo onde eu vou/Por outro lado, ninguém pra abaixar o volume/Ninguém pra reclamar dos pratos sujos/Ninguém pra fingir que eu não amo.

Como diria Caetano em Dom de Iludir, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. E é isso que a letra de Pra Ninguém tenta nos mostrar. Não a dor e a delícia de ser. Mas a dor e a delícia de estar. Estar sozinho é uma condição e não uma definição. Repare que, hoje em dia, quando você precisa preencher uma ficha cadastral para qualquer coisa, não se pergunta mais seu estado civil. Saber se a pessoa é solteira, casada, divorciada (pros mais antiquados, desquitada) ou viúva é algo tão out quanto um biquíni asa-delta.


Ok. Não vou bater nessa tecla da solidão bem resolvida até o final do texto. Não estaria sendo condizente com a letra da canção, pois seu autor sente sim a falta de alguém pra ligar e dizer onde está, a falta de alguém pra ir com ele ao cinema ou jantar. Afinal de contas, você se sente bem mais confortável quando entra num restaurante acompanhado. Já reparou como é embaraçoso entrar num restaurante sozinho? E quando, logo em seguida, entra aquele seu casal de amigos que estão ali para comemorar o aniversário de namoro? Você tem vontade de se esconder debaixo da mesa. Mas é mais elegante fingir que está esperando alguém antes de pagar a conta e sair de fininho.


Por outro lado, quando se está sozinho, você pode sim, acordar às dez da manhã no domingo e ligar o som na maior altura porque não tem ninguém pra acordar. E qual o problema de se acordar cedo no domingo? Você não saiu, preferiu ficar em casa lendo aquele livro que estava ali empilhado há um tempão esperando para ser lido. E você descobriu que é um thriller maravilhoso e que tem continuação. Ficou acordado até as duas, devorando o livro e o brigadeiro de colher que você fez. Acordou mil calorias mais gordo, olhou pra cozinha e viu a pilha de louça que está se acumulando desde a semana passada. O que você vai fazer? Lavar essa louça imediatamente? Óbvio que não. Vai correr no parque pra queimar essas calorias. Amanhã tem diarista.


Mas você já terminou sua corrida no parque e o domingo parece tão entediante. E você pega o jornal e começa a ler a sessão de comportamento e descobre que as maiores taxas de suicídio acontecem no domingo à noite. Calma, não é pra tanto! Você tenta continuar a leitura daquele livro que parecia tão viciante de madrugada, mas agora você presta atenção é no tamanho da sua cama e como sobra espaço nela! E sua mãe te liga pra almoçar e você enfrenta aquela maratona de perguntas sobre sua vida íntima e pessoal. E no fim da tarde quando volta pra casa, vê um casal de idosos andando sob o crepúsculo. Não parece um casal acomodado, é um casal vivo, é nítido que ainda conservam interesse um no outro, uma vontade de compartilhar novidades ou coisas tão banais quanto o preço do filé mignon que está pela hora da morte.


E quando finalmente entra em casa, percebe que ainda não são nem seis da tarde. Meu Deus! Como o domingo se arrasta! Zapeia por alguns canais, mas não acha nada de interessante! Pensa em pedir ajuda pro seu velho amigo rivotril e dormir até a segunda de manhã, mas eis que seu melhor amigo te liga. E estão todos lá naquele barzinho novo que abriu na Frei Caneca tomando um chope geladíssimo!


E amanhã é segunda e tem trabalho e tem trânsito e tem os quarenta minutos diários que você passa na esteira. E tem a noite vazia. Que pode ser preenchida pelo que você quiser. Então toda noite no mesmo lugar, abra os olhos e deixe o dia entrar pra ninguém.


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Pra Ninguém

Composição : Alvin L.

Ninguém pra ligar e dizer onde estou
Ninguém pra ir comigo onde eu vou
Por outro lado, ninguém pra abaixar o volume
Ninguém pra reclamar dos pratos sujos
Ninguém pra fingir que eu não amo

Toda noite no mesmo lugar
Eu abro os olhos
E deixo o dia entrar
Pra ninguém

Ninguém pra dizer quando eu devo parar
Ninguém na casa pra poder acordar do meu lado
Ninguém pra contar novidades
Ninguém pra fechar as cortinas
Ninguém pra brigar de vez em quando

Toda noite no mesmo lugar
Eu abro os olhos
E deixo o dia entrar
Pra ninguém



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