quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Amor rima com dor?


De repente, do riso fez-se o pranto. E de repente, você olha em volta e vê que, durante um bom tempo da sua vida, toda a sua trajetória foi construída de acordo com o reflexo que você recebia do outro. Sua imagem espelhada ao avesso. E como a única coisa constante da vida é a mudança, o que era doce virou sal. E ele foi embora. E o seu mundo caiu. E suas referências se esvaíram. Os seus amigos – que surpresa! – não eram seus amigos. Eram os amigos dele. E a sua vida profissional, bem, que vida profissional? Você está fora do mercado de trabalho há anos. Fez um curso livre aqui, outro ali, para matar o tédio dos dias. Para que trabalhar se sua vida conjugal já preenchia todos os fios do seu pensamento?

Várias são as canções da nossa música que retratam esse inevitável momento de ruptura que, todos nós, em algum momento da vida, passamos. Tudo que Vai, sucesso do Capital Inicial (Hoje é o dia/Eu quase posso tocar o silêncio/A casa vazia/Só as coisas que você não quis/Me fazem companhia/Eu fico à vontade com a sua ausência), Não Vale a Pena cantada por Maria Rita (É uma pena, mas você não vale a pena/Não vale uma fisgada dessa dor/Não cabe como rima de um poema de tão pequeno/Mas vai e vem e me envenena e me condena ao rancor) e, talvez, a mais desbragada letra de abandono gravada e regravada por várias intérpretes, mas que teve sua reverberação definitiva na voz de Elis Regina, que depois de cantá-la no Programa Ensaio da TV Cultura com o olhar desolado disse: É uma dor que não cabe nesse mundo. Acho que ninguém discordaria da opinião da Pimentinha. Não precisa nem escutar a letra de Atrás da Porta de Chico Buarque e Francis Hime inteira. Quer coisa mais doída do que esse trecho: 'E me agarrei nos teus cabelos/No teu peito, teu pijama/Nos teus pés, ao pé da cama/Sem carinho, sem coberta/No tapete, atrás da porta'? O amor próprio mandou lembranças.

A música de hoje não chega a ser tão excessiva. Talvez você ache que ela seja até agradável. E muito provavelmente já deve ter aumentado o som ou ter dançado enlouquecidamente enquanto ela tocava. Tudo isso porque ela é um rock delicioso. Lançada em 1984 no LP O Passo do Lui, que além dessa canção teve outras como Óculos, Me Liga e Romance Ideal que viraram hit e fizeram dessa banda uma febre nacional. Alguém já matou a charada? Depois de tantas dicas, ficou fácil, né? Estou falando de Meu Erro do Paralamas do Sucesso. O próprio Herbert Vianna disse que percebeu uma maior profundidade na letra quando ela foi regravada por Zizi Possi, tendo convidado a cantora para dividir o palco do Acústico MTV nos vocais dessa canção. A parceria foi tão boa que Herbert acabou compondo para Zizi outra bela música, Eu Só Sei Amar Assim.

Gosto muito da melodia de Meu Erro, acho mesmo que é uma pérola do nosso pop. E gosto mais ainda da letra que fala do término de um relacionamento que talvez nunca tenha sido inteiro em sua completude, em que o diálogo talvez não tenho sido um critério preponderante de escolha, já que o narrador diz que:

Eu quis dizer/Você não quis escutar/Agora não peça/Não me faça promessa/Eu não quero dizer/Nem quero acreditar/Que vai ser diferente/Que tudo mudou

Ou como diria Caio Fernando Abreu em Zero Grau de Libra:

O Sol entrou ontem em Libra. ... e porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda distraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas ... Neste zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos Deus um olho bom sobre o planeta Terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo.O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaranás pelos restaurantes, e mal se olham quando dizem coisas como "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete?" - e o outro grunhe em resposta.

Mas mesmo grunhindo em resposta, nessa eterna fuga da solidão, vamos nos apegando àquele outro que está sempre tão perto e tão disponível pr'aquela noite de inverno em que a gente procura um pé para nos esquentar debaixo do edredom. Como nos conta o poema de José Vicente na interpretação arrebatadora de nossa Abelha Rainha: A vida inteira resumida só no desejo da tua boca dizendo o meu nome, da tua mão conduzindo a minha mão, do teu corpo revelando o meu corpo, como se o mundo fosse pela primeira vez, você, o meu ponto de referência nessa cidade.

Mais eis que um dia aquela bela casa cai e de tanto nos orientar no prumo do outro, acabamos nos tornando secos, vazios.

O meu erro foi crer que estar ao seu lado bastaria. Ah, meu Deus, era tudo que eu queria! Eu dizia o seu nome. Não me abandone jamais!

Os versos acima são traduzidos perfeitamente por um trecho do livro Comprometida de Elizabeth Gilbert, em que ela relata o seguinte:

Tive uma amiga da faculdade que estreitou de propósito as opções da vida, como se quisesse se vacinar contra expectativas demasiado ambiciosas. Descartou a carreira e ignorou a sedução das viagens; voltou para a cidade natal e se casou com o namorado do curso secundário. Com confiança inabalável, anunciou que se tornaria “apenas” esposa e mãe. Mas, doze anos depois, quando o marido a trocou por uma mulher mais jovem, a raiva e a sensação de ter sido traída foram as mais ferozes que já vi. “Eu pedi tão pouco!”, não parava de dizer. Mas acho que ela se enganava; na verdade, pediu muito. Ousara pedir felicidade e ousara esperar que a felicidade viesse do casamento. Isso é tanto que é impossível pedir mais.

E o que nos resta fazer nesse momento de tamanho desamparo? Acho que a letra nos dá um indício do caminho a seguir. O segredo talvez esteja em não olhar para trás.

Dedico o post de hoje a todas as mulheres que não são felizes, mas tem um marido. Como diria, Caio F., Deus coloca o seu olhar mais generoso sobre elas.

Meu Erro

Os Paralamas do Sucesso

Composição: Herbert Vianna

Eu quis dizer
Você não quis escutar
Agora não peça
Não me faça promessas.

Eu não quero te ver
Nem quero acreditar
Que vai ser diferente
Que tudo mudou.

Você diz não saber
O que houve de errado
E o meu erro foi crer
Que estar ao seu lado
Bastaria
Ah, meu Deus
Era tudo o que eu queria
Eu dizia o seu nome
Não me abandone

Mesmo querendo
Eu não vou me enganar
Eu conheço os seus passos
Eu vejo os seus erros
Não há nada de novo
Ainda somos iguais
Então não me chame
Não olhe pra trás.

Você diz não saber
O que houve de errado
E o meu erro foi crer
Que estar ao seu lado
Bastaria
Ah, meu Deus
Era tudo o que eu queria
Eu dizia o seu nome
Não me abandone jamais.



Um comentário:

  1. Vc esta escrevendo cada vez melhor, Rica.
    E esta musica, assim como o proprio Herbet disse, nunca havia dado a devida atenção.

    E viva a musica nacional, desbravada pelo seu olhar (mais piedoso) rsrs

    Thg.

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