quarta-feira, 9 de março de 2011

E a vida pode ser feliz...



Você acredita em vida após o amor? Nos pergunta Cher em Believe. Acho que a pergunta correta deveria ser ‘Você acredita em vida após o fim do amor?’ Quando acaba é porque realmente terminou? Algumas vezes sim. Outras vezes... como diria Renato Russo em Os Barcos: Você diz que tudo terminou/Você não quer mais o meu querer/Estamos medindo forças desiguais/Qualquer um pode ver que só terminou pra você. Aqui mesmo neste espaço, já foi discutido a dor do abandono que acontece quando nos metamorfoseamos no ser idealizado. Tanto nos projetamos no outro que quando passamos pelo momento da ruptura, perdemos o chão e ficamos sem carinho e sem coberta, no tapete atrás da porta.

E para dar mais importância a essa dor, vamos prolongando-a, carregando-a vida afora, como uma mala cheia de pedras. Porque a dor nos legitima. Nos faz ter histórias para contar. É bonito dizer ‘sofri por amor’. Como Saninha, esposa de Euclides da Cunha que se apaixonou perdidamente por Dilermando, um rapaz com idade para ser seu filho. O caso tornou-se célebre devido a notoriedade de seus envolvidos, já que Euclides da Cunha até hoje é considerado um dos maiores escritores brasileiros, cuja obra revolucionária Os Sertões inspirou vários outros escritores inclusive o Nobel Mario Vargas Llosa em seu A Guerra do Fim do Mundo. O fato é que Saninha abriu mão de todas as convenções daquele início de século para viver sua grande paixão. E depois de ter o marido assassinado pelo amante, foi trocada por uma mulher com metade de sua idade. Reza a lenda que mesmo depois de ter levado tamanha rasteira da vida, Saninha não se fez de arrependida e bradou: Eu não errei. Eu amei.

Mas se o sofrimento suga tanto nossas forças e nos empurra para esse buraco negro da depressão, por outro lado, ele nos propulsiona para cima. Como se no fundo do poço tivesse uma mola. E é disso que a nossa música de hoje fala. De recomeços. Da tão falada volta por cima. Afinal de contas, se tudo na vida tem um fim, por que o sofrimento também não teria? Várias são as canções que tratam do tema. Desde as mais clássicas como Começar de Novo do Ivan Lins (Começar de novo e contar comigo/Vai valer a pena ter amanhecido) e Vou deitar e rolar de Baden Powell e Paulo César Pinheiro eternizada na voz da Pimentinha (E agora, cadê teu novo amor?/Cadê, que ele nunca funcionou?/Cadê, que ele nada resolveu?/Quaquaraquaquá, quem riu?/Quaquaraquaquá, fui eu) às mais modernas como Pára de Chorar da Daniela Mercury (Pare com isso/Tudo isso passa, até a dor/Passa depressa/Como passa até um grande amor/Não adormeça/Tanta festa espera por você/Venha e não esqueça/Que tudo recomeça/É só querer) e Doce Sal da Dani Carlos (Porque acabou-se/O que era doce virou sal/E o mundo continua indo e vindo; é natural).

Mas a música que pretendo ‘decifrar’ hoje é de um cara que fez parte do rock oitentista como integrante do Inimigos do Rei, aquela banda responsável por sucessos tão meteóricos quanto criativos como Adelaide, minha anã paraguaia e Uma barata chamada Kafka. Já sabe de quem estou falando? Ainda não? O cara em questão é um dos mais inventivos nomes da chamada moderna MPB, um cara que traz um frescor tanto para as melodias quanto para as letras de nossas canções. Estou falando do arrojado virginiano Paulinho Moska. Ou, se preferir, só Moska. Tudo Novo de Novo é o nome da música que de tão original começa com o fim, o fim de uma relação: Vamos começar colocando um ponto final, pelo menos já é um sinal de que tudo na vida tem fim. O fato de a letra começar com esse ponto final é genial porque seu autor já deixa entendido que é a partir dessa ruptura que a história será contada. Nada de olhar para trás. O lance é seguir em frente de uma maneira bem resolvida e assertiva. Se TUDO na vida tem um fim, o peso do fim dessa relação é relativizado, o que deixa TUDO mais leve.

Vamos acordar, hoje tem um sol diferente no céu gargalhando no seu carrossel, gritando nada é tão triste assim. E talvez não seja mesmo. As coisas têm a importância que a gente dá para elas. É claro que cada pessoa é única em seu temperamento e tem o seu modo de lidar com a dor. Há quem caia na vida e tome um porre homérico. Há quem fique uma semana em casa trancado, desidratado de tanto chorar e achando lindo se olhar no espelho com sua cara moribunda de olheiras profundas. Dê o peso que quiser à sua dor, mas saiba que o mundo não vai parar porque você está sofrendo. Para o bem ou para o mal, a Terra continuará girando em seu eixo de 360°. E sim, coisas bonitas podem estar acontecendo, aquele sol diferente no céu, como o sol que apareceu hoje em São Paulo numa quarta-feira de cinzas depois de um carnaval chuvoso. Um sol que talvez você que está sempre tão atento em olhar um único-outro não tenha percebido num céu de anil.

E a vida segue o seu curso. Mesmo todos os dias sendo iguais. Mesmo as rotinas nos trazendo poucas ou nenhuma surpresa. É preciso sabedoria para perceber que tudo pode ser novo de novo. Não sou partidário da opinião de que se cura o fim de um relacionamento começando outro. Acho que temos que dar um tempo para fechar certas feridas. Mesmo que algumas nunca se cicatrizem de verdade. Mas passado esse tempo, nada mal ter alguém com quem ocupar uma parcela de seus pensamentos diários. Afinal de contas, não somos nenhum monge budista no alto de uma montanha buscando a iluminação. Somos ocidentais tresloucados numa busca incessante por um pé quente debaixo do edredom no inverno. Como diria Tom Jobim: Fundamental é mesmo o amor/É impossível ser feliz sozinho. Não sei se é impossível, Tom, mas que é difícil é. Investimos pouco em autoconhecimento e sempre iremos precisar da opinião do outro para nos validar como pessoa. E por esse motivo, vamos nos jogar onde já caímos para, quem sabe, receber uma ligação naquela tarde vazia e ganhar o dia.

Disse no começo do texto, que a dor legitima nossa existência, a biografia que iremos contar para nossos futuros e hipotéticos netos. Acredito que não só a dor, mas todo e qualquer relacionamento. Sempre que saímos de uma relação, carregamos um pedaço daquela pessoa, suas manias, seu modo de se vestir, um prato novo que você aprendeu a fazer. E no fim acabamos nos irritando com aquilo que nos encantávamos no começo. Justamente porque no final, estamos pouco propensos a nos moldar ao jeito do outro e queremos re-conquistar aquela autonomia de agir que foi se perdendo com o tempo. Por isso, o fim também significa o começo. O fim de uma relação pode ser a reconquista da sua autenticidade. É o que diz esse trecho de Tudo Novo de Novo: Vamos celebrar nossa própria maneira de ser/Essa luz que acabou de nascer/Quando aquela de trás se apagou.

E a vida segue, sempre nesse vai e vem que não passa das ondas do amor. Gira, roda. Como um pierrot. É o que nos diz Marina Lima em Pierrot do Brasil. Ou usando uma expressão mais popular: a fila anda. Então vamos terminar inventando uma nova canção. Nem que seja uma outra versão pra tentar entender que acabou. E quando acaba nem sempre é porque é o fim. É preciso mergulhar do alto onde subimos, nos jogar onde já caímos. E se você for duro na queda, a vida pode ser bela e o sol, uma estrada amarela.

Tudo Novo de Novo

Composição: Moska

Vamos começar
Colocando um ponto final
Pelo menos já é um sinal
De que tudo na vida tem fim

Vamos acordar
Hoje tem um sol diferente no céu
Gargalhando no seu carrossel
Gritando nada é tão triste assim

É tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos

Vamos celebrar
Nossa própria maneira de ser
Essa luz que acabou de nascer
Quando aquela de trás apagou

E vamos terminar
Inventando uma nova canção
Nem que seja uma outra versão
Pra tentar entender que acabou

Mas é tudo novo de novo
Vamos nos jogar onde já caímos
Tudo novo de novo
Vamos mergulhar do alto onde subimos


Dedico esse post à Danielle Rodrigues, que não tem receio de se jogar onde já caiu.


7 comentários:

  1. "Eu não errei. Eu amei". Uma das frases que mais marcou minha infância. Nunca havia amado e tão pouco imaginava o que seria. Mas me parece que eu profetizava o que o amor seria pra mim, pelo menos por um tempo: passional ao ponto de ser justificado como um "não erro" e, sim um aprendizado. Tudo isso pra que ele não me matasse. Precisamos fazer isso com nossas maiores dores.
    Ai, que saudades... E não faço nada pra te ver... Mas isso não é um erro, continua sendo amor!

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  2. Amei Rick, quero continuar errando nessa vida. Recomeçar sempre.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Ri, parabéns pela qualidade do seu blog, posts maravilhosos, estou me deliciando lendo cada um.
    Você está decifrando as músicas e nos ajudando a decifrar nossa alma, como é o caso das músicas de Moska, que são simplesmente suaves e profundas.
    Vamos mergulhar de cabeça no que nos faz feliz, sem medo de ser!
    Beijo!
    Maria

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  5. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  6. oi Ric!!!!!!!!!!!! sou eu, obrigada pela dedicação, não sei se entendi, precisamos cnversar sobre isso... kkkk

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