segunda-feira, 20 de junho de 2011

Em que altura?


Depois de cinco anos, ela está de volta. Deixou o balneário e veio para as duras poesias concretas das esquinas de São Paulo, cidade que segundo ela própria, faz o seu som vibrar e a faz ver o mar. Marina Lima como o Rio, cidade que deixou para trás (já que como ela mesma se define, é uma mulher de antenas e não de raízes) continua linda. Aos 55 anos está no auge de sua beleza física e de seu vigor artístico. E nada melhor que celebrar esse momento com um álbum intitulado Clímax.

Já disse aqui nesse espaço que Marina é uma das cantoras mais originais da nossa música. E volto a reafirmar isso sem a menor sombra de dúvidas. Uma cantora sui generis que não se compara com nenhuma outra da MPB. Tente buscar traços de outras cantoras em Marina Lima e você não encontrará porque Marina se criou em cima dela mesma, catando um pouquinho de cada influência aqui e acolá, fazendo uma música vira-lata. Entenda aqui vira-lata como um elogio, já que vira-lata é a mistura de várias raças. E assim é o som de Marina, moderno que bebe na fonte do tradicional, intimista que brinca com o popular, eletrônico que dança na malemolência do samba.

O álbum, de uma maneira geral, traz letras e sonoridades urbanas, urbanidade essa que sempre esteve presente nas letras de Marina que ao longo de sua carreira permeou seus discos com canções que nos falam das dores e das delícias dos moradores das grandes cidades em letras como Virgem (O Hotel Marina quando acende não é por nós dois nem lembra o nosso amor), Acontecimentos (Eu espero acontecimentos só que quando anoitece é festa no outro apartamento ... como pôde queimar nosso filme?) e Pierrot do Brasil (Aqui cada cidade é uma ilha, sem laços, traços, sem trilha e o medo a nos rodear).

Clímax abre com Não me venha mais com o amor, parceria de Marina com Adriana Calcanhoto, que como o próprio nome sugere, é uma canção de desencanto e, a meu ver, também de libertação, já que sua autora propõe uma relação baseada fortemente no sexo em detrimento do amor:

‘Só eu sei lhe dar o melhor/ Noites de subir pelas paredes altas/Noites de incendiar o lençol/Noites de ver estrelas sob o teto do quarto/Noites de apurar o sabor/Noites inteiras com manobras de risco no ato/Só não me venha mais com o amor’

Não me venha mais com o amor e Keep Walkin talvez sejam as duas músicas do CD que tenham uma batida mais sexual. Confesso que a sonoridade da segunda me lembrou muito a versão que Marina gravou de Difícil, uma canção do álbum Todas de 1985, pro álbum Lá nos Primórdios de 2006.

A segunda faixa de Clímax, #SP Feelings é uma homenagem à cidade de São Paulo e às pessoas que por aqui habitam e também uma reflexão de Marina sobre essa nova fase de sua carreira e de sua vida:

Essa cidade faz meu som vibrar/E querer viver pra concluir/Tanta perspectiva nova, ímpar/Que só cidades grandes sabem produzir/ ... / Japas, carros, beijos, bienais/Que ainda guardam muito do meu cais

Apesar de ser um álbum muitíssimo autoral (Das onze músicas, dez são compostas por Marina. A única exceção é uma versão do clássico sessentista romântico Call me de Tony Heatch), Marina expande seus horizontes ao fazer parcerias com artistas interessantes como alguns nomes da hora como Karina Buhr em Desencantados, canção que também tem a presença ilustre de Edgar Scandurra no violão, na guitarra e nos vocais.

Em Pra Sempre, Marina divide os vocais com Samuel Rosa numa balada romântica e talvez a mais comercial do álbum, com potencial para virar hit.

Mas de todas as canções, a que mais gostei é a faixa número cinco do álbum em que Marina divide os vocais com Vanessa da Mata, numa música lindíssima chamada A Parte Que Me Cabe e é sobre essa música especificamente que me deterei a falar daqui em diante.

A música começa com uma brincadeira de Marina, em que escutamos sua voz de fundo gritando ‘Vanessa, cê tá no meu disco!’, um reconhecimento de Marina à Vanessa da Mata, reconhecimento esse de uma artista que, como já foi dito acima, está sempre antenada nas gerações de músicos que estão começando e que trazem alguma novidade para o cenário musical. No DVD Acústico MTV, Marina dá um depoimento falando sobre a importância de Daniela Mercury e Carlinhos Brown na sua carreira, de como a música dos dois mexeu com seu modo de fazer música. Enfim, uma bonita homenagem de uma artista já consagrada, que abre alas pros músicos da nova geração entrarem e seguirem com suas variedades de ritmos e sons.

A Parte que me cabe começa com uma programação de bateria potente de Edu Martins para, logo em seguida, entrar num samba que como a própria Marina diz é ‘um samba do meu jeito’. Um samba que não tem as explosões de bateria de uma escola, mas sim algo mais cadenciado ao estilo de Samba da Bênção de Vinícius de Moraes ou Desde que o samba é samba do Caetano.

Então Marina nos pergunta:

‘Em que altura deve se abrir mão das aventuras, dos riscos e da paixão?’

Pergunta que eu refaço a vocês. Existe uma altura da vida que a gente deve abrir mão de sentimentos tão viscerais, de sensações que nos trazem esse frescor, que nos fazem sentir vivos? E no que seria pautado esse toque de recolher? Na idade? Na condição civil? Nas responsabilidades acumuladas pelo correr dos anos? Na falta de brilho dos olhos causada justamente pelo severo olhar do outro que julga e que pune?

A própria Marina responde essa pergunta:

‘Se estamos vivos, temos o direito de sentir.’

E do alto de sua maturidade ironiza os incautos do coração, aqueles que começam a trilhar os caminhos tão incertos do amor:

‘Será bonito ficar de longe e denegrir a juventude e os com fogo no coração’.

Frase que só alguém que amou demais pode proferir, alguém que já teve febre e sabe que a temperatura a qualquer momento abaixa. Que os cortes, por mais profundos que sejam, um dia viram cicatrizes. Que nos acompanham pela vida afora, é certo. Mas que, em dado momento, será esquecido porque o farol da ilha irá girar de novo por outros olhos e armadilhas e nós iremos nos jogar onde já caímos. Mais uma vez e outra e outra e outra. Por isso, envelheceremos bem, olhando os outros sem doçura e com desdém. Daremos risada daquele adolescente que passa o dia inteiro sem comer porque acha que o seu sofrimento é uma ferida onde o sangue não estanca, porque acha que ele é o rapaz mais triste do mundo. Os escolados em matéria de amor sabem que isso é só mais um capítulo numa vida tão afeita aos dias iguais. É a invenção da nossa humanidade, aquilo que criamos para dar mais sabor à nossa (in)existência. Como na canção:

‘Cada um é único no mundo e nisso todo mundo é igual. Uns resolvem tudo num mergulho, outros seguem em busca de um ideal.’

Mas independente da escolha de cada um, se o escuro do quarto ou o neon da pista de dança, uma coisa é sempre certa, a solidão. Que pode ser de uma quietude pacífica ou medonha. E isso só depende do caminho que você vai trilhar. Mas quando enfim, você encontrar a inevitável Solidão que tenha o direito à sua individualidade assegurado como nos versos finais d’A parte que me cabe:

Me deixa quieta com minha solidão. A vida é minha e também meu coração. E se você já encontrou a sua parte, me deixa em paz atrás da parte que me cabe.’

Ps.: Agora você também pode ler meus textos aqui.


A Parte Que Me Cabe

Composição: Marina Lima

Em que altura deve se abrir mão das aventuras, dos riscos e da paixão?

Se estamos vivos, temos o direito de sentir

Será bonito ficar de longe e denegrir a juventude e os com fogo no coração

Quando as doenças e os medos são em vão

Em que medida envelheceremos bem, olhando os outros sem doçura e com desdém?

Cada um é único no mundo

E nisso todo mundo é igual

Uns resolvem tudo num mergulho

Outros seguem em busca de um ideal

Me deixe quieta com a minha solidão

A vida é minha e também meu coração

E se você já encontrou a sua parte

Me deixe em paz atrás da parte que me cabe



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