terça-feira, 3 de maio de 2011

Adoro um amor inventado




‘Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?’ – Eduardo e Mônica, Legião Urbana

‘O coração tem razões que a própria razão desconhece’. – Pascal

Tenho uma amiga que é radiante. É linda, inteligente, tem uma personalidade fortíssima, um corpo estonteante. É o tipo de mulher que quando entra em qualquer lugar rouba todos os olhares para si. Tem um ar naturalmente blasè, um mau humor genuíno. Não é do tipo que faz charme. Ela é O Charme. Estudou cinema, lê boa literatura, sabe tudo de teatro. É sensível e profunda. Observadora perspicaz. Ninguém escapa da sua visão de Raio X. Seu olhar ferino não poupa ninguém. Algumas mulheres a admiram, outras a invejam. Os homens a desejam. As bichas queriam ser ela.

Você deve estar pensando ‘Nossa! Uma personalidade tão interessante! Não lhe devem faltar pretendentes!’ Mas o fato é que essa minha amiga está solteira há tempos. Conversando ontem com ela, lhe disse que não conseguia vê-la com um namorado, um homem que aceitasse ser ofuscado pelo seu brilho, a não ser que fosse um homem de pouco brio, pois saberia que tal qual na música Fogo do Capital Inicial, chegaria a hora em que teria que lhe dizer: ‘Você é tão acostumada a sempre ter razão/Você é tão articulada/Quando fala não pede atenção/O poder de dominar é tentador/Eu já não digo nada/Sou todo torpor. ’ Mas para meu espanto, essa minha amiga, me confidenciou o seguinte: que é sim exigente, e que tem os seus critérios, principalmente intelectuais, mas que quando está a fim de um cara, ela, essa minha amiga misto de Mulher Maravilha com Scarlett O’hara, vira uma mulherzinha carente e que, no fim das contas, como na música de Rita Lee admite que ‘toda mulher quer ser amada, toda mulher quer ser feliz, toda mulher se faz de coitada, toda mulher é meio Leila Diniz’.

É interessante notar que segundo relatos do Domingos de Oliveira, que foi casado com Leila Diniz, ela era uma mulher romântica dada às invencionices da paixão. Na minha opinião, é libertador saber que a musa da contracultura brasileira, aquela mulher desbocada e revolucionária que transgrediu o comportamento de uma sociedade aparecendo de biquíni com um barrigão de oito meses de gravidez na praia de Ipanema quando ninguém ousava fazer isso, no fundo era uma romântica. Que se preciso fosse, iria para o fogão fritar um ovo para o parceiro que chegou de porre da boemia. Que sejam feitas todas as vontades da alma! Revolucionários ou domésticos, podemos ser tudo, desde que venha de dentro!

O fato é que é cada vez mais difícil ser romântico. Nosso DNA já está decodificado com todas as cicatrizes de nossas desilusões amorosas. Quanto mais maduro, menos espontâneo! Tudo isso porque o amor foi colocado num pedestal quase inatingível, virou uma utopia! Mas e se eu quiser inventar um amor? Ou dois? Com tantas maneiras de enganar a morte por que eu não me permito ter um grande amor a cada semana? Afinal de contas, existe o amor e O Amor. O primeiro me salva o dia naquela tarde vazia. O segundo pode me salvar a vida. Mas enquanto este último não aparece, faço coro com Paula Toller e reverbero aqui suas palavras: “adoro dizer ‘eu te amo’ sem romantismo, sem planos, sem compromisso de ser feliz”

O termo ‘canção de amor’ já é por si só um clichê. Mas a vida também é feita de clichês. Situações ou pessoas, os estereótipos nos circundam. Por isso separei aqui, algumas frases do mais puro amor romântico, presentes em nossa música. Algumas você já ouviu com certeza. Outras, quero ter o prazer de lhes apresentar.

- Todo atalho finda em seu sorriso – Contra o Tempo, Vander Lee.

- Nas horas sem fim, em que a dor não tem mais cabimento, é no teu prumo que eu me oriento. – Os Presentes, Eliana Printes.

- Há dias que eu sonho beijos ao luar em ilhas de fantasia. Há dias com azia, o remédio é o teu mel. – Vem Comigo, Cazuza.

- Como é doce o beijo quando vem da sua boca. Dá uma vontade de levar você comigo. – Mel da Boca, Copacabana Beat.

- É febre, amor, e eu quero mais. Tudo que eu quero, sério, é todo esse mistério. – Charme do Mundo, Marina Lima

E para coroar o post com uma ode ao romantismo, apresento-lhes a canção de hoje. Essa música composta por Nado Siqueira, já foi gravada por Vander Lee. Mas a versão que posto aqui é cantada por uma maranhense danada, que solta fogo pelas ventas e que tem o cabelo cor de fogo. Uma mulher que dentre outras coisas, se pinta com as cores de Oxossi e nos mostra o melhor da tecnomacumba. Se você ainda não ouviu falar de Rita Ribeiro, corrija esse erro agora, ouça essa mulher desvairadamente. Ela tem muito a oferecer aos seus ouvidos. Tire suas próprias conclusões escutando a música de hoje que se chama, oh! surpresa!, Românticos.

Nem preciso dizer o quanto eu, um ariano torto que vive de amor profundo e adora um amor inventado, se identifica com a letra dessa música. Mas como diria (de novo) Rita Lee: ‘Não me suicidei por um triz! Ai, de mim que sou romântico!’.

Do alto da minha pseudo-maturidade que meus parcos 32 anos me asseguram, digo com toda a certeza do mundo de que não me arrependo nem um pouco de ter sido um louco desvairado. De ter tido vontade de estar na pele do outro. De levar o cheiro dele comigo. Ou de prolongar o cheiro que ficou no travesseiro. De ter sido ingênuo a ponto de ter mandado uma mensagem de SMS pruma pessoa dizendo que ‘aquele havia sido o dia mais feliz da minha vida’ e ver essa pessoa se esvair como poeira no deserto. De ter chorado ouvindo La Vien Rose. De ter arranhado o carro dele. De ter atirado pedra na sua janela. De ter bebido até cair. De pedir desculpas por um erro que eu nunca cometi. De ainda amar com fé.

Porque apesar de tudo, eu ainda faço das palavras de Liz Gilbert, as minhas palavras:

‘As sensações mais extasiantes que tive na vida surgiram quando me consumia na obsessão romântica. Esse tipo de amor nos deixa super-heróicos, míticos, mais do que humanos, imortais. Irradiamos vida; não precisamos dormir; o ser amado enche nosso pulmão de oxigênio. Por mais que, no final, essas experiências sejam dolorosas (e para mim sempre acabam em dor), detestaria ver alguém passar a vida inteira sem saber como é metamorfosear-se euforicamente no ser de outra pessoa.’

Eu também, Liz. Eu também.


Românticos

Composição: Vander Lee

Românticos são poucos
Românticos são loucos desvairados
Que querem ser o outro
Que pensam que o outro é o paraíso

Românticos são lindos
Românticos são limpos e pirados
Que choram com baladas
Que amam sem vergonha e sem juízo

São tipos populares
Que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
Que passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão

Romântico é uma espécie em extinção.



Um comentário:

  1. "...Vem, noite! Vem, Romeu! tu, noite e dia, pois vais ficar nas asas desta noite mais branco do que neve sobre um corvo. Vem, gentil noite! vem, noite amorosa de escuras sobrancelhas! Restitui-me o meu Romeu, e quando, mais adiante, ele vier a morrer, em pedacinhos o corta, como estrelas bem pequenas, e ele a face do céu fará tão bela que apaixonado o mundo vai mostrar-se da morte, sem que o sol esplendoroso continue a cultuar. Comprei a casa de um amor, sem estar na posse dela; vendida embora me ache, possuída não fui ainda. Tão tedioso e lento é este dia, tal como a noite em véspera de alguma grande festa para criança impaciente que tenha roupa nova, mas não possa vesti-la. Oh! aí vem a ama.
    Traz novidades, sim. Todas as línguas que só sabem dizer Romeu, Romeu, falam com eloqüência
    celestial". Shakespeare (Romeu e Julieta)

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