segunda-feira, 16 de maio de 2011

O que era doce virou sal


‘Amar é um ato de fé e quem tiver pouca fé, também terá pouco amor.’

Concordo em gênero, número e grau com a frase do psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm. Acho que todo amor é uma forma de entrega e, como tal, uma pequena revolução pessoal no nosso modo de ver as coisas do mundo. Quando se ama alguém e, de alguma maneira, se passa a dividir o seu tempo (que talvez seja aquilo que você tenha de mais precioso) com esse alguém, é preciso se deixar levar, acreditar que a vida é bela e o sol, uma estrada amarela como na canção do Chico. Não há espaço para titubeações se a pessoa que você enxerga ao seu lado é digna da sua admiração. Então, o que você está esperando para se jogar de ponta cabeça, de olhos fechados? Confiança, você pode me responder. Mas isso se conquista com o tempo, lhe direi. Então não há mesmo outra opção senão acreditar. Acreditar que tudo vai dar certo. Porque como diria Alexandre, o Grande: ‘A sorte favorece os audaciosos’.

E não é sempre que teremos esse fulgor, essa vontade de lançar os dados, de arriscar, de jogar tudo pro alto, de recomeçar. Vivo batendo na tecla de que a maturidade é o oposto da espontaneidade. E é muito difícil encontrar numa relação duas pessoas que estejam em pé de igualdade nesses dois quesitos. Sempre vai ter um que pisa no freio enquanto o outro quer acelerar. E nessa disputa entre razão e emoção existem duas opções plausíveis. Ou você puxa o freio de mão no momento em que o outro está a 180 por hora fazendo com que o carro dê um cavalo de pau e pare no meio da pista sendo massacrado por um caminhão; ou você pisa mais forte no acelerador e pára à beira do abismo, naquele lugar onde, queira ou não queira estamos prestes a voar.

Então, você já sabe de que lado está? É cara ou coroa? Comedimento ou paixão? Febre ou hipotermia? A sorte de um amor tranqüilo com sabor de fruta mordida ou você precisa de alguém sem o qual você passe mal, sem o qual você não seja ninguém? Mas não existe um meio termo?, você deve estar se perguntando. Pelo menos hoje não. Porque hoje eu quero decifrar uma letra que é 8 ou 80 interpretada por uma cantora da novíssima geração da MPB.

Escutei essa música pela primeira vez saindo de uma balada. Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite e comigo não foi diferente. Lá estava eu, mais uma vez, numa pista de dança, entre fumaças e neons, todo torpor, esperando acontecimentos. E eles vieram. Conheci um menino bonito, mas que como na música de Rita Lee, também não dizia mais nada. Mas naquele momento eu não sabia disso. E nem queria saber. Queria acreditar. Saímos dali à luz do dia. E aquela noite de sábado luminosa e radiante havia se transformado numa manhã de domingo melancólica com a garoa paulistana dando o ar de sua graça. Seria aquilo um sinal de mau agouro? Poderia até ser, mas naquele momento não quis, não podia, não queria captar nada. Queria viver. Pegamos um táxi. Quando entramos no carro, escuto os primeiros versos dessa canção no rádio:

Tem que amar com fé/Tem que morrer de amor/Pra não ser arrepender depois que o tempo passou

Adorei a melodia, a voz daquela cantora que ainda não sabia quem era. Mas quando cheguei em casa e joguei a letra no Google, descobri que era uma velha conhecida, uma pessoa, aliás, muito representativa da época em que vivemos já que havia participado de um reality show em que podia ser observada vinte e quatro horas por dia enquanto estava lá. Estou falando de Danni Carlos, que ficou em segundo lugar na primeira edição d’A Fazenda, programa exibido na Record. Se você é daquelas pessoas que acham que só porque uma pessoa participou de um programa tão voyeurístico, ela não pode te oferecer nada de bom, sugiro que encerre sua leitura por aqui. Ou melhor, sugiro que você veja o que o deputado federal do PSOL Jean Wyllys, vencedor da quinta edição do BBB tem feito no Congresso Nacional.

Voltando à Danni Carlos, depois de ter gravado alguns discos de covers de rocks e baladas internacionais, ela aparece com um disco de músicas inéditas com o sugestivo nome de Música Nova em que nos apresenta algumas boas canções, como Doce Sal, que hoje tento decifrar. Curioso notar que, no caso de Danni, sua participação no programa da Record foi bastante positiva, já que esse disco foi gravado em 2007, mas algumas músicas só foram tocar nas rádios em 2009, época em que o programa estava no ar.

Voltando à letra, já citei aqui os seus primeiros versos que são: ‘Tem que amar com fé/Tem que morrer de amor/Pra não se arrepender depois que o tempo passou’. Logo em seguida, na maior naturalidade, sem nenhuma pausa dramática, Danni emenda os seguintes versos que são diametralmente opostos aos anteriores:

‘Tem que dizer adeus pra não acomodar/Mentira por mentira eu prefiro ficar só/Sem você/Sem ouvir, nem dizer’

Quando disse lá em cima que a letra dessa canção era 8 ou 80 não estava brincando. E acho que isso fica bem claro no paradoxismo desses primeiros versos, que por mais contraditórios que possam parecer, conservam uma coisa em comum que é a intensidade de seu interlocutor que, ao mesmo tempo em que ama com fé e morre de amor pra não se arrepender depois que o tempo passou, diz adeus pra não se acomodar. Radical? Talvez. Mas também muito honesto. Versos ditos por uma pessoa que se conhece muito bem e que sabe o que pode lhe fazer feliz. Que não se contenta com migalhas. Que não suporta a rotina. Que talvez viva um tipo de amor que não pode dar certo sob à luz da manhã, como aquele cantado por Caetano em Eclipse Oculto. Mas que pede em troca aquilo que ela dá: a entrega. Sem simulações de desejo. Porque foi amada demais pra aceitar tão pouco. E por isso, prefere a solidão, o silêncio.

Continuando na canção, seguem os próximos versos:

‘Porque acabou-se/O que era doce virou sal/E o mundo continua indo e vindo/É natural/Noites tão modernas/Chances infinitas de encontrar alguém que faça minha cabeça sem precisar pensar.’

Estilisticamente, acho genial a construção dos dois primeiros versos. A melodia da canção o encerra numa primeira frase curta (Porque acabou-se) e abre a segunda frase (O que era doce virou sal) e brinca com um dito popular: Porque {ACABOU-SE O QUE ERA DOCE} virou sal. E dessa maneira, a letra nos passa uma noção de naturalidade desses acontecimentos que poderiam ser tão trágicos, mas que, aos olhos do narrador não passa de desdobramentos naturais dos ciclos da vida. Sem dramas. Afinal de contas, o mundo continua indo e vindo. E como na música Virgem da Marina Lima, ele parece dizer: ‘As coisas não precisam de você/Quem disse que eu tinha que precisar?’ E que venham novas histórias vividas em noites modernas como naquele sábado luminoso que virou um domingo nublado em que peguei um táxi querendo viver mais uma história de amor que não passou de dois ou três encontros. E que foram experimentados de uma maneira única para que eu pudesse viver os próximos encontros que estavam por vir. Coisas que uma cidade como São Paulo me propicia. Como também propicia esses desencontros mais do que comuns. São as sortes e os revezes de um apostador de alto risco, disposto a jogar até a última ficha já que as chances são infinitas. E as opções bem distintas. Um dia da caça. Outro do caçador. Um dia alguém que faça a minha cabeça. Noutro alguém que deseje o meu corpo.

Como nos versos da canção, eu sugiro:

Se a solidão vier, tenta se apaixonar, vivendo o dia-a-dia, deixando rolar. Mas tem que ser alguém que valha a pena amar.

Mesmo que seja aquele grande amor cantando por Ângela Rô Rô:

Amor, meu grande amor

Só dure o tempo que mereça

E quando me quiser

Que seja de qualquer maneira

...

E quando me encontrar

Meu grande amor, por favor

Me reconheça.


Doce Sal

Composição: Danni Carlos

Tem que amar com fé
Tem que morrer de amor pra não se arrepender depois que o tempo passou
Tem que dizer adeus pra não acomodar
Mentira por mentira eu prefiro ficar só

Sem você

Sem ouvir, nem dizer
Porque acabou-se

O que era doce virou sal
O mundo continua indo e vindo, é natural
Noites tão modernas, chances infinitas de encontrar alguém que faça minha cabeça sem precisar pensar

Se a solidão vier, tenta se apaixonar

Vivendo dia e dia, deixando rolar
Mas tem que ser alguém que valha a pena amar
Mentira por mentira eu prefiro ficar só

Sem você, sem ouvir, nem dizer
Porque acabou-se

O que era doce virou sal
O mundo continua indo e vindo, é natural
Noites tão modernas, chances infinitas de encontrar alguém que faça minha cabeça sem precisar pensar


3 comentários:

  1. Sua crítica é perfeita. Adorei! Uma pequena observação: A pessoa que postou a música no site do Terra colocou o compositor errado. Eu tenho o disco MÚSICA NOVA de Danni Carlos e essa canção é composição de Danni Carlos. O disco é todo autoral. De outros compositores só tem O SEU LUGAR de Nando Reis e COISAS QUE EU SEI de Dudu Falcão.

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  2. O "Música Nova" é um dos meus discos preferidos. Já escutou? Só musicão. Amo Danni Carlos, ótima compositora.

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  3. Anônimo, rs, desculpe, chamá-lo assim, mas é que você não se identififou. Obrigado pela correção, já foi feita. Obrigado pelo elogio tb! Caco, gosto muito do CD Música Nova, Danni é, sem dúvida, uma das melhores intérpretes da nova geração de cantoras brasileira. Se quiserem acompanhar outros post, sigam o blog. É sempre bom ouvir opiniões de pessoas que tem algo a dizer. Grande abraço pros dois!

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