segunda-feira, 4 de julho de 2011

Vai passar


‘A vida é um pêndulo que oscila entre o tédio e o sofrimento’

Talvez você ache a frase acima, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, um tanto quanto pessimista. Não tiro sua razão. Acho que existe uma gama de sentimentos e emoções humanas bem mais amplas do que o tédio e o sofrimento para que o pêndulo da vida oscile apenas entre eles. O problema é que, quando passamos por sofrimentos terríveis (e inevitavelmente vamos passar por eles) não conseguimos enxergar uma solução, aquela bendita luz no fim do túnel. Talvez seja necessário. Talvez seja fundamental. Há até quem diga que um homem com uma dor é muito mais elegante.

Como Caio F. em Zero Grau de Libra, eu peço a Deus que derrame seu olho bom por todos aqueles que queriam ser outra coisa qualquer que não a que são, e viver outra vida que não a que vivem. E contrariando Schopenhauer eu diria que a vida não é esse pêndulo simplista. A vida estaria mais pruma montanha russa. Ou então uma estação de rádio dessas bem ecléticas que você nunca sabe qual é a próxima música que vai tocar. Mas a vida tem de tudo. Alegria, dor dilacerada da alma, dissabor, tristeza, desdém, otimismo irresponsável, êxtase, paixão, aventura, amor, solidão, desamparo. Quer entrar? Você está preparado? Então vai ali na barraquinha da coragem e compra um ticket. Porque é só isso que você precisa pra vir brincar aqui.

Sem coragem, você passa dias intermináveis somente existindo. Contando os minutos do tédio que é estar vivo. Mas, por vezes, parece que ela, a Dona Coragem, nos abandona. Inda mais nesses dias frios de julho em que não se tem vontade de levantar da cama. E não é preciso nem de remédios para dormir o dia inteiro. O desânimo já dá conta do recado.

E pensar que depois de julho vem agosto, esse mês considerado maldito pelo inconsciente popular tão bem retratado na crônica Sugestões para atravessar agosto do mesmo Caio F.:

‘Para atravessar agosto é preciso, antes de tudo, paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. ’

Mas eis que depois de agosto, vem setembro, que pra gente significa o início da primavera tão bem cantada por Beto Guedes em Sol de Primavera:

‘Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos/Quero ver brotar o perdão onde a gente plantou’

E isso me lembra algo que a Shakira disse no seu MTV Unplugged antes de começar a cantar a música :

Em todos os anos, há um momento em que a vida parece-nos mais fácil. E deixamos de consultar as linhas das mãos e começamos a reler os nossos poetas favoritos; por vezes, nos propomos a escrever alguns versos. E a boa notícia é que isso não acontece uma ou duas vezes, nos acontece muitas vezes.

E porque acredito nisso e porque seguir é o que marca o beat do meu coração, quero hoje postar uma música que fala justamente dessa perseverança. Composta pelo mesmo cara que disse ‘eu vejo a vida melhor no futuro, eu vejo isso por cima do muro de hipocrisia que insiste em nos rodear’, o Rei do Pop Brasileiro, já comentado antes nesse espaço, o senhor Luiz Maurício Pragana dos Santos, também conhecido como Lulu Santos.

A música de hoje é a oitava faixa do sexto álbum de Lulu – Toda Forma de Amor – e se chama A Cura. E começa assim:

‘Existirá/Em todo porto tremulará a velha bandeira da vida/Acenderá/Todo farol iluminará uma ponta de esperança’

O começo da música, para mim, é quase que como um mantra. Com duas frases iniciadas com verbos no futuro do presente, o que nos dá a certeza de que aquela ação realmente irá acontecer. A velha bandeira da vida que existirá em todo o porto e tremulará. É Lulu nos emanando boas vibrações. Gosto especialmente da composição do último verso em que o autor cria uma antítese interessante e sutil quando diz que TODO farol iluminará uma PONTA de esperança. Ou seja, mesmo que a esperança – essa, às vezes vã, ação da espera – seja pequena, só uma pontinha, uma hora ela será iluminada pelo farol, já que a missão deste será sempre a da orientação. E tudo o que a gente quer é orientação.

Seguindo na canção, temos os seguintes versos:

‘E se virá, será quando menos se esperar/Da onde ninguém imagina/Demolirá toda certeza vã/Não sobrará pedra sobre pedra’

Aqui Lulu fala de um tema que me é recorrente, o da distração. Você que me acompanha nesse espaço sabe que eu já tratei disso por aqui algumas vezes. Acredito no poder da distração em contraposição ao que os administradores e gestores do mundo corporativo chamam de foco. Falei sobre isso num post intitulado Enquanto Espero Acontecer :

‘Segundo o zen budismo, distração e conexão são ações similares como sugere essa frase da Monja Coen: ‘Ao tomar conhecimento da distração, mergulhei no presente’. Paradoxal? Acredito que não, se partirmos do princípio de que distração é o oposto de pré-ocupação. Uma pessoa distraída está mais aberta para vivenciar o agora simplesmente porque está relaxada. O que não quer dizer que não esteja consciente. Já uma pessoa pré-ocupada, e que alguns gostam de chamar de focados, focam tanto num mesmo ponto que acabam deixando despercebido tudo mais que está ao redor.’

É o que nos diz a canção: vem quando menos esperamos, da onde não imaginamos. Para em seguida demolir todas as nossas certezas. O que me parece muito sensato, já que a falta de certezas parece ser um privilégio da maturidade, como diria Renato Russo em Quase Sem Querer: não sou mais tão criança a ponto de saber tudo.

Continuando, os próximos versos nos dizem o seguinte:

‘Enquanto isso não nos custa insistir na questão do desejo/Não deixar se extinguir/Desafiando de vez a noção na qual se crê que o inferno é aqui’

Aqui, Lulu contraria Buda, já que este nos disse que todo sofrimento nasce do desejo. Que me desculpe o senhor Siddhartha Gautama, mas o que ele nos pediu é uma coisa quase impossível, isso se não for realmente impossível. Como não desejar num mundo tão cheio de possibilidade e vicissitudes? Desejar é estar vivo. O desejo é inerente à questão humana. Por ele, mais do que por qualquer outro sentimento, somos movidos. Insistir na questão do desejo, como diz a música, é essencial para fazer pulsar a vida. Mesmo que depois venham as frustrações, já que elas sempre virão. Mas esvaziar-se de desejos é envelhecer e como diria Rita Lee em Saúde: ‘Se por acaso morrer do coração, é sinal que amei demais. Mas enquanto estou viva, cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz’. E assim vamos desafiando, de uma vez por todas, a noção na qual se crê que o inferno é aqui. Porque não, o mundo não é chato. Ele só é mal freqüentado. Mas se o sistema é mau, a minha turma é legal.

E por fim, somos brindados com os versos:

‘Existirá/E toda raça então experimentará/ Para todo mal, a cura’

Porque, acredite, vai passar. Tudo passa. E isso não é apenas uma frase clichê. Alguma dor sempre fica. E já que abri o texto com a frase de Schopenhauer, o encerro com outra de Nietzsche, também filósofo e seu conterrâneo: O que não me mata, me fortalece.

Ps.1: Dedico esse post à Anelise Csapo, a gata garota que prefere ser otimista e estar errada a ser pessimista e está certa.

Ps. 2: Agora você também pode ler meus textos aqui.


A Cura

Composição: Lulu Santos / Nelson Motta

Existirá
Em todo porto tremulará
A velha bandeira da vida
Acenderá
Todo farol iluminará
Uma ponta de esperança

E se virá
Será quando menos se esperar
Da onde ninguém imagina
Demolirá
Toda certeza vã
Não sobrará
Pedra sobre pedra

Enquanto isso
Não nos custa insistir
Na questão do desejo
Não deixar se extinguir
Desafiando de vez a noção
Na qual se crê
Que o inferno é aqui

Existirá
E toda raça então experimentará
Para todo mal
A cura




Um comentário:

  1. Como não há nenhum comentário? Sou a primeiríssima dama de honra? kakakak...Ric, vc é melhor que o gênio da lâmpada, porque ainda nem fiz meus pedidos e vc me oferta com textos tão bons... ufa....achoque eu queria ter um gene seu, santa medicina! Cadê o Albiere???

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