terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Dizer não é dizer sim?



A história que você lerá a seguir é mais uma história de desencontro. Mais uma dentre tantas que você já viveu ou ouvir dizer. Afinal, dizem tanto por aí e como já cantou Fernanda Abreu, um desencontro na cidade é coisa mais do que comum.

Essa é a história de Rodrigo e Reinaldo. Rodrigo tinha 23 anos quando tudo aconteceu. Reinaldo, 32. Rodrigo estava no último ano da faculdade de Artes Cênicas em Ouro Preto e tinha todos os sonhos na cabeça, iria se formar e ir para o Rio de Janeiro, ser ator de televisão. Reinaldo, já tinha uma vida estável, era presidente de uma multinacional alemã com sede em Belo Horizonte. Se conheceram na Josefine, uma boate gay. Era a primeira vez na vida que Rodrigo ia a uma boate gay. Não tinha noção de como seria. Era o grande deslumbramento do menino do interior pela primeira vez numa balada GLS. Reinaldo era freqüentador assíduo do lugar, batia ponto final de semana sim, outro também. Tudo começou com um roçar de braços. No fim da noite, Renato estava insistindo para que Rodrigo dormisse em sua casa. Rodrigo, ressabiado, disse que tinha que ir embora, pois estava na casa da tia e ela ficaria preocupada. Reinaldo então deixou Rodrigo na frente do prédio da tia. Pediu um beijo. “Aqui em frente não, o porteiro vai ver”. Se despediram e trocaram telefone.

Rodrigo havia sido picado pela droga do amor. E achava que Reinaldo também, pois ele havia dado todos os indícios disso. Porém algo terrível aconteceu. Rodrigo recebeu uma ligação da irmã. O avô havia morrido. Deveriam ir para a cidade natal, ficar ao lado da mãe. No meio de toda aquela tristeza, Rodrigo se sentia culpado por só ter vontade de voar para bem longe dali e rever Reinaldo. Mal o corpo do avô esfriou no caixão, inventou uma história para mãe, tinha uma prova na faculdade para fazer, e foi embora. Quem o avô dele pensava que era para morrer bem na hora em que ele se apaixonava pela primeira vez?

Chegou em Belo Horizonte. Procurou por Reinaldo. Estava decidido. Ele morava em Ouro Preto, há duas horas de ônibus, se veriam todo final de semana. Reinaldo disse que já tinha vivido uma experiência parecida e aquilo não havia dado certo. Mas Rodrigo não entendeu. Aquilo que ele sentia era AMOR. E se fosse possível, ele atravessaria o Atlântico todos os dias para viver aquele amor. O que Rodrigo não entendia naquela época é que aquele sentimento só era possível porque tinha algo de inédito, de novidade, de frescor que só é possível quando se vive aquela experiência pela primeira vez. Reinaldo, por sua vez, já era velho de guerra, já tinha na cara todas as cicatrizes dos relacionamentos anteriores, que ele carregava, não sem um certo constrangimento. Constrangimento esse que, escancarava para quem quisesse ver, a perda de uma espontaneidade, espontaneidade esta que só é peculiar aos que são jovens, de corpo e de alma. Se despediram. Nunca mais se viram. Na lembrança de Rodrigo, ficou o cheiro do hálito de Renato. Trident de canela.

Começo o post de hoje com essa história para ilustrar um dos temas da música do dia: a perda da nossa espontaneidade que é ocasionada pelo excesso de racionalidade toda vez que começamos um relacionamento. Quanto mais experientes ficamos no campo sentimental, menos espontâneos nos tornamos porque passamos a pensar em tudo o que deu errado nas relações anteriores. Então, por uma análise meio sem sentido, começamos a nos corrigir internamente, para não repetirmos os mesmos erros. Como se isso fosse possível. Como se cada pessoa não fosse um ser único e indivisível. Como se cada soma de você com outro não fosse diferente da soma de você com aquele outro. Por mais repetidos que sejam nossos padrões de comportamento – e tendemos muito a essas repetições – ficar preso à essas análises de certo e errado só vai nos levar a sofrer mais ainda, ou por pré-ocupação, ou pela eterna síndrome do ‘E se...’.

Difícil é o nome da música. E ela foi gravada pela primeira vez pela Marina Lima em 1985 no álbum Todas. Naquela época Marina Lima era apenas Marina. Depois, já Marina Lima, ela regravou essa mesma música com uma roupagem mais moderna em 2006 no álbum Lá nos Primórdios. Preciso dizer que sou fã de carteirinha de Marina, que tem a fama de ser a nossa cantora mais cool e não é por acaso. Como a própria Marina gosta de dizer, ela não tem raízes, tem antenas. E eu não tenho dúvida disso. Basta escutar Acontecimentos e Não Sei Dançar, duas das faixas do álbum Marina Lima de 1991 e ver como aquela sonoridade até hoje é moderna. Ou então todas as faixas do seu disco seguinte, O Chamado, para ter certeza, de como ela estava anos-luz à frente da nossa MPB tradicional. As letras, as batidas das músicas,o visual modernérrimo na capa do disco. Aquela foto de perfil com aquele rabo de cavalo é o supra-sumo do chic.

Voltando à Difícil, a música começa da seguinte maneira: Eu disse não/Ela não ouvia/ Mandei um sim/Logo serviu/Então pensei/Ela é bela/Por que não com ela?/Sexo é bom.

Logo de cara, Marina e Antonio Cícero, seu irmão e um dos grandes parceiros de sua carreira, já nos apresentam uma letra ousada, um jogo que também ganha quem perde, já que o sexo é a rendição. E, neste caso, o sexo é bom!

Em seguida vem o trecho que é o centro da discussão de hoje e que acho simplesmente genial: Mas acontece que eu/Tenho esse vício de gente difícil no amor/Alguém lá no início me aplicou/E me fez louca/Me fez pouca/Me fez o que sou/Difícil. E acho que é isso mesmo que acontece com todos nós. Sempre que entramos com o peito aberto para um novo relacionamento, não somos só nós e o outro que estão ali, mas sim todos os relacionamentos que tivemos antes. É como se fossemos um papel amassado ou rascunhado, cheio de histórias que deram certo ou errado. E toda essa experiência ou falta dela é evidenciada no começo de qualquer relação. Quanto mais experiente você é, mais difícil fica ser espontâneo.

Mas o fato é que se nos perguntassem se a gente recomendaria a tal da paixão, não pensaríamos duas vezes em dizer: SIM!!!! Porque como acabo de ver e curtir no mural de uma amiga no facebook “"Eu vou procurar um jeito de não padecer... mas não vou deixar a vida sem viver" Ou como diz a própria canção: Paixão e gozo/Cê sabe, isso vicia. Ô, e se vicia!

Difícil
Marina Lima
Composição: Marina Lima/Antonio Cicero

Eu disse não
Ela não ouvia
Mandei um sim
Logo serviu
Então pensei
Ela é bela
Por que não com ela?
Sexo é bom

Mas acontece que eu
Tenho esse vício
De gente difícil no amor
Alguém lá no início
Me aplicou
E me fez louca
Me fez pouca
Me fez o que sou
Difícil!
Nem sempre

Nem interessa
Se eu recomendaria
É tão depressa
Nem quero pensar
Quando a picada vem

Mas paixão e gozo
Cê sabe, isso vicia
"Aí garota, eu gosto assim"
Difícil

Ps.1: Um bom filme para pensar sobre o que foi dito neste post é
Ele não está tão a fim de você.

Ps.2: Dedico este post à Tatiana Ribeiro que tem esse vício de gente difícil no amor.


2 comentários:

  1. Amei esse post Rick, foi o melhor de todos. Você é um jornalistaaaaa. Adorei e prometo ouvir menos Thalia e ouvir mais Marina...bj

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  2. "Mas o fato é que se nos perguntassem se a gente recomendaria a tal da paixão, não pensaríamos duas vezes em dizer: SIM!!!! "


    Afinal “A vida não é medida pelo número de vezes que respiramos, mas pelos momentos que tiram nosso fôlego” . E pra isso...nada melhor que uma paixao ou um bolo de contas pra pagar na corrida contra o tempo! rsrs

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