quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Tá escrito



Você sabia que a palavra desastre deriva do vocábulo latino dis-astrum? Em latim, esta palavra significa "má (dis) estrela (astrum)" e era empregada para qualificar, de acordo com antigas concepções astrológicas, todo "acontecimento calamitoso causado por uma má posição estelar". Ou seja, desastre significa literalmente o desalinho dos astros.

E você? Acredita em Destino? Acredita que existe uma força maior que rege todas as nossas ações e que, independente de nossa vontade, será sempre a responsável pela vida que levamos? Acredita que é um pré-destinado? Que nada é por acaso?

Cético ou crente o fato é que a fé num universo maior, num Deus – esse grande arquiteto do Universo – sempre esteve presente em todas as culturas desde que o mundo é mundo. Da borra do café dos marroquinos que sempre alardearam que sim, Maktub, o destino é inexorável às linhas das mãos estudadas na quiromancia; do Oráculo grego simbolizado na figura do cego (aquele que enxerga tudo) Tirésias aos programas de computador high tech que calculam seu Mapa Astral em minutos, essa noção de destino como algo imprevisível e, por sorte, grandioso, sempre nos rondou. Difícil é viver agora. Ou nos apegamos ao passado ou atiramos nossa flecha rumo ao futuro. O presente não existe.

Começo o post falando do acaso, porque acho que é sobre isso que a música de hoje fala. Minha lembrança dessa música é remota. Era o ano de 1991. Eu tinha 12 anos então. Minhas tias moravam numa casa do lado da minha, a casa da rua. Sim, porque existia uma casa da roça. Então meus avôs compraram uma casa na rua para as filhas terem onde ficar durante a semana para irem para a escola. Minha tia Cristina, a mais moderna de todas, tinha vários discos, dentre eles o Mais da Marisa Monte, o segundo disco da carreira dela. Lembro que o disco era todo cheio de cruzinhas (o símbolo do mais) em alto relevo e eu tinha comichão por ficar arrancando aquelas cruzes – mais ou menos como aquela fixação que todo mundo tem quando pega um plástico bolha – o que acabava acarretando num desastre, o estrago total da capa. Até hoje acho que Mais é um dos melhores discos da Marisa Monte, ou talvez seja mesmo o melhor, ganhando por uma pequena margem de diferença do Verde, Amarelo, Anil, Cor-de-Rosa e Carvão. Deixando claro que é só a minha opinião e que você pode discordar. Gosto especialmente desse disco porque acho que é o mais pop de Marisa, mesmo tendo regravações de clássicos da MPB como Rosa do Pixinguinha que ficou um primor na voz de Marisa e Ensaboa do Cartola. Mas a veia pop de Marisa está escancarada em Beija eu que, para mim, é uma das mais sensuais canções brasileiras; em Ainda Lembro que, apesar de ter virado um hit e ter um apelo mais popular, não é das minhas preferidas desse disco (confesso que acho meio cafona o dueto com Ed Motta, uma coisa meio Jane e Herondi, gosto mais dessa música em Barulhinho Bom) e em Diariamente que é pura poesia, mérito de Marisa e do letrista Nando Reis. Mas a minha preferida do disco e, acho, da discografia inteira de Marisa, é Eu sei.

A música já começa no futuro, com uma afirmação de algo que vai acontecer um dia. Um dia, quem sabe, eu vou estar à toa. E nesse dia, tenho certeza, você vai estar na mira. Conheço várias pessoas que passaram por isso, que foram apanhadas de surpresa pelo destino e se viram instantaneamente interessadas em alguém, mas que por uma força maior não levaram esse sentimento intempestivo adiante. Ou porque estavam namorando, ou porque estavam saindo de um relacionamento conturbado e não era o momento, ou porque estavam trabalhando demais e não tinham tempo de se dedicar a um namoro, ou porque simplesmente a pessoa desapareceu na poeira dos ventos, sem deixar nome e telefone.

Eu mesmo, uma vez, quando morava em Ouro Preto, estava me preparando para dormir, com uma camiseta velha escrita ‘Jesus visita meu coração e fica comigo’, com uns óculos fundo de garrafa, quando as meninas que moravam comigo tocaram a campainha. Lá fui eu, puto da vida, atender a porta, reclamando ‘por que elas nunca levam a chave?’. Quando abri a porta, percebi que tinham trazido com elas uma aparição, um Deus Grego, um turista de passagem pela cidade. Era muito comum isso acontecer em Ouro Preto, receber estranhos em casa para bater papo, ou tomar café, ou uma cachacinha, ou jogar conversa fora, um carteado, às duas, três, quatro horas da manhã. Abri a porta e o meu coração que é um músculo involuntário pulsou por aquele ser. Para abreviar a história, houve uma reciprocidade de intenções, só que ele iria embora no outro dia de manhã. Ficamos jogando baralho quando ele disse que era tarde e que precisava ir. Deixei ele sair, mas imediatamente entrei para o quarto, tirei a camiseta de dormir, coloquei lentes de contato e fui à caça. Se a seta acertou o alvo... isso fica por conta da sua imaginação. O fato é que não trocamos contato. Passado algum tempo, me mudei para o Rio de Janeiro. No meu primeiro dia na cidade, resolvo ir com amigos fazer uma trilha no Pão de Açúcar. Quando estou lá em cima, uma turma de turistas sai de dentro do bondinho e quem eu encontro?

É ou não é coisa do destino? O fato é que não levamos essa história adiante e nunca mais o vi. Mas até hoje penso nessa história. E você que me lê nesse exato momento já passou por isso? Conheceu a pessoa certa na hora errada?

Falando sobre isso, não posso deixar de citar o filme Escrito nas Estrelas, uma comédia romântica fofíssima com o não menos fofíssimo John Cusack. O filme é de 2001 e talvez você o encontre nas boas locadoras. É a história de um casal que se conhece em Nova York na histeria das compras de natal. Os dois pegam ao mesmo tempo uma luva numa loja de departamento e, a partir daí começam a conversar e se apaixonam de cara. Coisas de Hollywood... O fato é que os dois estão comprometidos e como a mocinha da história acredita em Destino acha que não era para ser. No momento de se despedirem (a esta altura já estão na rua) ela anota seu nome e telefone num pedaço de papel, mas quando vai entregar para ele, a folha é levada pelo vento. Mais uma vez, ela acredita que não era para ser. Então, por fim, tem uma idéia genial. Ela escreve seu nome e telefone no seu livro preferido, Amor nos Tempos do Cólera, e vende esse livro para um sebo. Ele faz o mesmo, porém o objeto onde deposita seus dados pessoais e todas as expectativas dela é numa mera nota de cinco dólares. Se algum dia ele encontrar o livro ou essa nota for parar nas mãos dela, eles largam tudo o que estiverem fazendo porque sim, era para ser. Mais não conto para não estragar a surpresa de quem estiver a fim de ver o filme que é lindo e tem uma versão fantástica de Annie Lennox para um reggae do Bob Marley. Annie transforma Waiting in Vain numa melancólica balada.

O fato é que esse tal Destino é muito incerto, mesmo acreditando nele, melhor fazer a nossa parte, dar o nosso empurrãozinho. A não ser que você seja a pessoa mais autoconfiante do mundo. Se for assim, acho que vale a pena cantar: enquanto eu vou andando o mundo gira e nos espera numa boa. Eu sei. Eu sei. Eu sei.

Eu Sei (Na Mira)
Marisa Monte
Composição: Marisa Monte

Um dia eu vou estar à toa
E você vai estar na mira
Eu sei que você sabe
Que eu sei que você sabe
Que é difícil de dizer
O meu coração
É um músculo involuntário
E ele pulsa por você
Um dia eu vou estar contigo
E você vai estar na minha

Enquanto eu vou andando o mundo gira
E nos espera numa boa
Eu sei, eu sei,
Eu sei.

Ps. 1: Se você é daquele tipo mais racional, vale muito a pena assistir o último filme do Woody Allen, Você Vai Conhecer o Homem da Sua Vida, e ver como ele tira um sarro legal com a cara do destino.

Ps. 2: Eu Sei foi sampleada por Negra Li na música Você Vai Estar na Minha, segunda faixa do álbum Negra Livre de 2006, ganhando uma batida mais próxima ao hip hop.

Ps. 3: Dedico este post a minha tia Cristina.




7 comentários:

  1. Eu sei, eu sei, eu sei.
    Eu sei, eu sei, eu sei, meu bem...

    Ricardo, enquanto o mundo nos espera numa boa, não custa nada arriscar a toa, né?

    Adorei o post, adoro a Marisa, e sim, por mais cafona que seja, eu acho lindddaaaa a versão com o Ed Motta.

    Arrasou!

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  2. Quem será que escreveu esse post com arrasou aí em cima? Ficou a dica, né? AMEI o texto, todos os textos aqui aliás, mas nem vou discordar, posso não parar prá escutar essas mesmas músicas, mas concordo com sua forma de analisar...dá vontade de tomar chá com vc a tarde toda e conversar dessas coisas! Bjs

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. E Rica, vc realmente tem o poder de mudar ou pelo menos nos fazer olhar por outro angulo, algumas coisas.Nunca havia prestado a atenção devida a esta musica e confesso que ate a achava ' chata'.
    Mas graças a sua analise percebi um outro lado.

    Sempre otimo!

    Thiago

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  5. Obrigado pelos comentários... só queria saber quem é o primeiro q postou, pois está anônimo.

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  6. Ricardo, vc é a minha inteligência, a minha sensibilidade, aquelas partes que ainda não despertei em mim....como Nikc Nolte em O Príncipe das Marés era a memória da irmã... ainda bem que criaram o blog nesta vida e ainda bem que vc criou o seu!
    Vc tinha mesmo que escrever, é destino!!
    Bjs!!

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  7. A primeira que postou... Há!
    Miau!

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