segunda-feira, 11 de julho de 2011

Que lugar me pertence?


Nasci numa cidade que, de tão pequena, não está nem no mapa e quando digito seu nome no Word o corretor ortográfico logo a sublinha de vermelho. O nome da minha (?) cidade é Ervália, fica na Zona da Mata Mineira, a 700 metros do nível do mar e tem como vegetação principal os inúmeros e viçosos cafezais, estando por sinal, numa das principais zonas cafeeiras do Brasil. Tudo isso eu aprendi na escola, na aula de geografia. Mas o que ninguém nunca me explicou é porque eu nunca realmente pertenci àquele lugar, mesmo tendo nascido e morado ininterruptamente ali até os meus 17 anos.

O fato é que eu sempre soube que havia um mundo muito maior do que os meus olhos podiam ver. Era o mundo que eu via nas novelas da Globo, onde existia um Rio de Janeiro idealizado com suas praias descoladas da Zona Sul carioca. E eu lá do meu canto, matutava: isso sim é lugar de gente de verdade morar. Subentende-se por gente de verdade, pessoas que fazem a roda do mundo girar, que escrevem seu nome na história. Não sei por que, mas sempre achei que elas estavam nas cidades grandes. Até hoje penso um pouco assim. Só para ilustrar, alguns dias atrás, eu e minha amiga Linda Imaculada – que é santista de nascença, mas não entende nada de futebol – estávamos prontos para mais uma noite de ferveção quando decidimos pegar um táxi. Só que era justamente a final do campeonato Taça Libertadores da América e moramos bem perto do estádio do Pacaembu onde estava acontecendo a partida. Resultado: pegamos um engarrafamento infernal. O motorista estava com o rádio ligado para escutar a partida e bem na hora que o locutor anunciou a vitória dos Santos, nós estávamos parados em frente o estádio olhando para o seu letreiro. Então me virei para Linda Imaculada, mesmo não gostando de futebol e só sabendo que o adversário do Santos era um time uruguaio e disse: Linda Imaculada, estamos vivendo um momento histórico! Daqui a dez anos se o seu marido santista te perguntar onde é que você estava quando o Santos ganhou a Libertadores da América de 2011 você de imediato se lembrará desse instante.

Cito esse acontecimento breve e banal, apenas para mostrar que, na minha opinião, as possibilidades são inúmeras numa grande cidade. E ninguém é inocente quando o sol se põe em São Paulo. Ou como diria Rita Lee numa belíssima letra gravada por Zélia Duncan: ‘Na medida do impossível /Tá dando pra se viver/Na cidade de São Paulo/O amor é imprevisível/Como você e eu’. Ou como disse Marina no seu último disco em #SP Feelings: tanta perspectiva nova, ímpar, que só as cidades grandes sabem produzir.

Talvez tenha sido por isso que vim parar em São Paulo. Porque viver é ter curiosidade e já que tudo me interessa e tudo tem mistério, quando me cansei de rezar a mesma missa todos os dias, dei meu grito de liberdade e bradei a quem quisesse ouvir: Eu não sou daqui! Como o autor dessa música de hoje, parti sem olhar pra trás.

Gravada em 1991 por uma paraibana arretada, uma leonina de juba exuberante, que também foi desbravar o mundo deixando Conceição da Paraíba rumo ao Rio de Janeiro. Na época ela fazia faculdade de economia, mas o chamado da arte foi mais forte e ela se juntou a um grupo de músicos mambembes, o Quinteto Violado, que fazia algumas apresentações na sua cidade. Arrumou sua trouxinha e pôs o pé na estrada com o bando. Quando foi avisada pela trupe que tinham chegado na Cidade Maravilhosa, pôs a cabeça pra fora de uma Kombi velha para olhar a paisagem e se deparou com a imagem nada agradável da Avenida Brasil. “Ôxe! Mas esse não é o Rio de Janeiro que eu via nas novelas! O Rio que eu via era bonito!” Passada a primeira impressão, ela então pôde conhecer com mais calma a Zona Sul carioca, não sem antes passar por alguns perrengues (até mesmo fome, segundo ela própria) já que tinha muito pouco ou nenhum dinheiro naquela época. Mas como a sorte favorece os audaciosos, acabou conhecendo Alceu Valença, Carlos Vereza e outros artistas que freqüentavam o Baixo Leblon. Se enturmou rápido, foi parar no musical A Ópera do Malandro e sua estrela começou a brilhar. Ela que já foi chamada de Nina Hagen da Caatinga, de Madonna do Agreste, de Tina Turner do Sertão, de Flor da Paraíba, é também conhecida como Elba Ramalho.

Voltando à música, estou falando de Felicidade Urgente composta pelo Claudio Zoli (responsável por um dos maiores hits da década de oitenta que você certamente já cantou numa das estradas da vida): ♪ Na madrugada, vitrola rolando um blues, trocando de biquíni sem parar (sic). Se você ainda não sabe, a letra certa é: tocando B. B. King sem parar. :)

Felicidade Urgente é a segunda faixa do disco de mesmo nome e começa assim:

Nunca mais eu vou voltar/Essa estrada é meu destino/Vou seguir a minha vida/Vou achar o meu lugar

Elba canta esse anseio por uma liberdade, esse não-pertencimento a um lugar específico. A estrada é o seu destino. A vida já está acontecendo no percurso. Como boa leonina, assim como os arianos e principalmente os sagitarianos (outros signos de elemento fogo), ela sabe que o alvo não é lá muito importante. Joga sua flecha apenas para estabelecer a meta de avançar. Como bem cantou Paulinho Moska em A Seta e o Alvo: então me diz qual é a graça de já saber o fim da estrada quando se parte rumo ao nada?

Seguindo na canção, temos os versos:

‘Louco pra viver em paz/Eu procuro paraísos/Em lugares esquecidos/Em viagens ao luar/Eu vi a dor, sonhos/E sei de cor, o que é melhor pra mim’

Aqui, o autor da música parece querer nos levar prum lugar específico, que é o espaço do acolhimento, o lugar do bem-querer, onde de alguma maneira nos sentiremos protegidos, livres, serenos. Aquele lugar ideal onde todas as mazelas do mundo seriam deixadas para trás. Como cantou Elba numa canção de Gil: qualquer outro lugar ao sol, outro lugar ao sul, céu azul onde haja só seu corpo nu junto ao meu corpo nu. Ela que, numa outra canção de seu amigo Geraldo Azevedo, apenas apanhou à beira-mar um táxi pra estação lunar.

São nossos lugares de escapismo, que na vida dura e real, pode ser o silêncio do quarto ou o canto escuro da boate – fica a seu critério – e que na literatura foi tão bem retratado na Pasárgada de Manuel Bandeira: Vou-me embora pra Pasárgada/Lá sou amigo do rei/Lá tenho a mulher que eu quero/Na cama que escolherei/(...)/E quando eu estiver mais triste/Mas triste de não ter jeito/Quando de noite me der vontade de me matar/ (...)/ Vou me embora pra Pasárgada.

Voltando á música, logo em seguida vêm os versos:

A vida me fez desse jeito/O mundo é tão imperfeito/Pouca gente tem direito a ser feliz/O tempo passa de repente/Felicidade urgente para todos/Para todos nós

Logo depois de procurar paraísos em lugares esquecidos e viagens ao luar, o autor da canção constata que o mundo é tão imperfeito e que pouca gente tem direito a ser feliz. E numa atitude panfletária, reivindica felicidade urgente para todos, como se fosse impossível – e em tese é – ser plenamente feliz quando se sabe da existência da dor alheia, o que me fez lembrar uma crônica de Nelson Rodrigues n’A Vida como ela é em que ele diz o seguinte:

‘Uma pessoa que só tenha do mundo uma visão unilateral e rósea, e que ignore a face negra da vida, é uma pessoa mutilada. Por outro lado, nego a qualquer um o direito de virar as costas à dor alheia. Sei que nenhum de nós gosta de se aborrecer. Mais importante, porém, que o nosso frívolo conforto, que o nosso alvar egoísmo – é o dever de participar do sofrimento dos outros. Há uma leviandade atroz na alegria!’

E assim, irresponsável e quase leviano, Zoli conclui a canção:

Eu sempre quis muito mais/Mais do que era preciso/Quis milagres, absintos e delírios de prazer

Porque como já bem disse a sabedoria popular, o que a gente leva da vida é a vida que a gente leva. E viva você, trinta ou cem anos, quando olhar para trás você só vai ter a nítida sensação de ter aproveitado sua vida, se tiver se permitido os tais delírios de prazer. Filhos, casa própria, viagens, dinheiro, amores. Tudo isso só vale a pena, se nesse pacote estiver incluído o prazer. Que só é possível numa sucessão infindável de tentativas e erros. Sentindo a dor, vivendo os sonhos. E assim descobrindo o que te faz feliz. E se a felicidade não vier – pois há quem diga que todos os seres são infelizes, mas nem todos o sabem – tente ao menos ser alegre. Porque a alegria é incontestável. E depende muito da sua vontade e de uma virtude que só os realmente inteligentes têm: o humor. É ridículo levar-se a sério demais. Não ter humor é não ter lucidez, é não ter leveza. É ter certezas num caminho onde tudo é incerto. E eu que nada sei dessa vida, vou errando enquanto o tempo me deixar passar.


Ps.: Agora você também pode ler meus textos aqui.


Felicidade Urgente
Composição: Claudio Zoli/Roberto Lobato Santos

Nunca mais eu vou voltar
Essa estrada é meu destino
Vou seguir a minha vida
Vou achar o meu lugar
Louco pra viver em paz
Eu procuro paraísos
Em lugares esquecidos, em viagens ao luar
Eu vi a dor, sonhos
E sei de cor o que é
Melhor pra mim
A vida me fez desse jeito
O mundo que é tão imperfeito
Pouca gente tem direito a ser feliz
O tempo passa de repente
Felicidade urgente para todos
Para todos nós
Quero te fazer feliz
Quero ser feliz também
Com você tá tudo bem
Não vou mais olhar pra trás
No caminho do infinito
Encontrei minha razão
E me perdi no seu olhar
Eu sempre quis muito mais
Mais do que era preciso
Quis milagres absurdos
E delírios de prazer




segunda-feira, 4 de julho de 2011

Vai passar


‘A vida é um pêndulo que oscila entre o tédio e o sofrimento’

Talvez você ache a frase acima, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, um tanto quanto pessimista. Não tiro sua razão. Acho que existe uma gama de sentimentos e emoções humanas bem mais amplas do que o tédio e o sofrimento para que o pêndulo da vida oscile apenas entre eles. O problema é que, quando passamos por sofrimentos terríveis (e inevitavelmente vamos passar por eles) não conseguimos enxergar uma solução, aquela bendita luz no fim do túnel. Talvez seja necessário. Talvez seja fundamental. Há até quem diga que um homem com uma dor é muito mais elegante.

Como Caio F. em Zero Grau de Libra, eu peço a Deus que derrame seu olho bom por todos aqueles que queriam ser outra coisa qualquer que não a que são, e viver outra vida que não a que vivem. E contrariando Schopenhauer eu diria que a vida não é esse pêndulo simplista. A vida estaria mais pruma montanha russa. Ou então uma estação de rádio dessas bem ecléticas que você nunca sabe qual é a próxima música que vai tocar. Mas a vida tem de tudo. Alegria, dor dilacerada da alma, dissabor, tristeza, desdém, otimismo irresponsável, êxtase, paixão, aventura, amor, solidão, desamparo. Quer entrar? Você está preparado? Então vai ali na barraquinha da coragem e compra um ticket. Porque é só isso que você precisa pra vir brincar aqui.

Sem coragem, você passa dias intermináveis somente existindo. Contando os minutos do tédio que é estar vivo. Mas, por vezes, parece que ela, a Dona Coragem, nos abandona. Inda mais nesses dias frios de julho em que não se tem vontade de levantar da cama. E não é preciso nem de remédios para dormir o dia inteiro. O desânimo já dá conta do recado.

E pensar que depois de julho vem agosto, esse mês considerado maldito pelo inconsciente popular tão bem retratado na crônica Sugestões para atravessar agosto do mesmo Caio F.:

‘Para atravessar agosto é preciso, antes de tudo, paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. ’

Mas eis que depois de agosto, vem setembro, que pra gente significa o início da primavera tão bem cantada por Beto Guedes em Sol de Primavera:

‘Quando entrar setembro e a boa nova andar nos campos/Quero ver brotar o perdão onde a gente plantou’

E isso me lembra algo que a Shakira disse no seu MTV Unplugged antes de começar a cantar a música :

Em todos os anos, há um momento em que a vida parece-nos mais fácil. E deixamos de consultar as linhas das mãos e começamos a reler os nossos poetas favoritos; por vezes, nos propomos a escrever alguns versos. E a boa notícia é que isso não acontece uma ou duas vezes, nos acontece muitas vezes.

E porque acredito nisso e porque seguir é o que marca o beat do meu coração, quero hoje postar uma música que fala justamente dessa perseverança. Composta pelo mesmo cara que disse ‘eu vejo a vida melhor no futuro, eu vejo isso por cima do muro de hipocrisia que insiste em nos rodear’, o Rei do Pop Brasileiro, já comentado antes nesse espaço, o senhor Luiz Maurício Pragana dos Santos, também conhecido como Lulu Santos.

A música de hoje é a oitava faixa do sexto álbum de Lulu – Toda Forma de Amor – e se chama A Cura. E começa assim:

‘Existirá/Em todo porto tremulará a velha bandeira da vida/Acenderá/Todo farol iluminará uma ponta de esperança’

O começo da música, para mim, é quase que como um mantra. Com duas frases iniciadas com verbos no futuro do presente, o que nos dá a certeza de que aquela ação realmente irá acontecer. A velha bandeira da vida que existirá em todo o porto e tremulará. É Lulu nos emanando boas vibrações. Gosto especialmente da composição do último verso em que o autor cria uma antítese interessante e sutil quando diz que TODO farol iluminará uma PONTA de esperança. Ou seja, mesmo que a esperança – essa, às vezes vã, ação da espera – seja pequena, só uma pontinha, uma hora ela será iluminada pelo farol, já que a missão deste será sempre a da orientação. E tudo o que a gente quer é orientação.

Seguindo na canção, temos os seguintes versos:

‘E se virá, será quando menos se esperar/Da onde ninguém imagina/Demolirá toda certeza vã/Não sobrará pedra sobre pedra’

Aqui Lulu fala de um tema que me é recorrente, o da distração. Você que me acompanha nesse espaço sabe que eu já tratei disso por aqui algumas vezes. Acredito no poder da distração em contraposição ao que os administradores e gestores do mundo corporativo chamam de foco. Falei sobre isso num post intitulado Enquanto Espero Acontecer :

‘Segundo o zen budismo, distração e conexão são ações similares como sugere essa frase da Monja Coen: ‘Ao tomar conhecimento da distração, mergulhei no presente’. Paradoxal? Acredito que não, se partirmos do princípio de que distração é o oposto de pré-ocupação. Uma pessoa distraída está mais aberta para vivenciar o agora simplesmente porque está relaxada. O que não quer dizer que não esteja consciente. Já uma pessoa pré-ocupada, e que alguns gostam de chamar de focados, focam tanto num mesmo ponto que acabam deixando despercebido tudo mais que está ao redor.’

É o que nos diz a canção: vem quando menos esperamos, da onde não imaginamos. Para em seguida demolir todas as nossas certezas. O que me parece muito sensato, já que a falta de certezas parece ser um privilégio da maturidade, como diria Renato Russo em Quase Sem Querer: não sou mais tão criança a ponto de saber tudo.

Continuando, os próximos versos nos dizem o seguinte:

‘Enquanto isso não nos custa insistir na questão do desejo/Não deixar se extinguir/Desafiando de vez a noção na qual se crê que o inferno é aqui’

Aqui, Lulu contraria Buda, já que este nos disse que todo sofrimento nasce do desejo. Que me desculpe o senhor Siddhartha Gautama, mas o que ele nos pediu é uma coisa quase impossível, isso se não for realmente impossível. Como não desejar num mundo tão cheio de possibilidade e vicissitudes? Desejar é estar vivo. O desejo é inerente à questão humana. Por ele, mais do que por qualquer outro sentimento, somos movidos. Insistir na questão do desejo, como diz a música, é essencial para fazer pulsar a vida. Mesmo que depois venham as frustrações, já que elas sempre virão. Mas esvaziar-se de desejos é envelhecer e como diria Rita Lee em Saúde: ‘Se por acaso morrer do coração, é sinal que amei demais. Mas enquanto estou viva, cheia de graça, talvez ainda faça um monte de gente feliz’. E assim vamos desafiando, de uma vez por todas, a noção na qual se crê que o inferno é aqui. Porque não, o mundo não é chato. Ele só é mal freqüentado. Mas se o sistema é mau, a minha turma é legal.

E por fim, somos brindados com os versos:

‘Existirá/E toda raça então experimentará/ Para todo mal, a cura’

Porque, acredite, vai passar. Tudo passa. E isso não é apenas uma frase clichê. Alguma dor sempre fica. E já que abri o texto com a frase de Schopenhauer, o encerro com outra de Nietzsche, também filósofo e seu conterrâneo: O que não me mata, me fortalece.

Ps.1: Dedico esse post à Anelise Csapo, a gata garota que prefere ser otimista e estar errada a ser pessimista e está certa.

Ps. 2: Agora você também pode ler meus textos aqui.


A Cura

Composição: Lulu Santos / Nelson Motta

Existirá
Em todo porto tremulará
A velha bandeira da vida
Acenderá
Todo farol iluminará
Uma ponta de esperança

E se virá
Será quando menos se esperar
Da onde ninguém imagina
Demolirá
Toda certeza vã
Não sobrará
Pedra sobre pedra

Enquanto isso
Não nos custa insistir
Na questão do desejo
Não deixar se extinguir
Desafiando de vez a noção
Na qual se crê
Que o inferno é aqui

Existirá
E toda raça então experimentará
Para todo mal
A cura