terça-feira, 31 de maio de 2011

Valeu a pena


Foi no dia 8 de maio. Era o final de uma tarde melancólica de domingo. Tinha passado o dia na cama, naquela preguiça gostosa de nenhuma obrigação para fazer. Tinha acabado de ler um quadrinho que havia começado naquele mesmo dia, mais uma dessas histórias claustrofóbicas de uma família comum norte-americana com o sugestivo título de Cicatrizes. O livro, na verdade, é a autobiografia de David Small, um gênio que com seu traço singular realmente faz valer aquela velha frase clichê ‘mais vale uma imagem do que mil palavras’. E no caso de David, que imagens! O livro é todo em preto e branco e, apesar de não ser um expert em ilustração, ou justamente por isso, posso dizer que seu desenho me causou algumas das sensações mais variadas como compaixão por David quando criança, estranhamento em outra parte em que um coelho faz as vezes de um psiquiatra e indignação pela forma como a saúde física do protagonista vai sendo conduzida de maneira tão irresponsável por seus pais. Terminei de ler Cicatrizes e fechei o livro com aquela frase de Caetano na cabeça, aquela mesma que diz que de perto ninguém é normal. Continuando na minha missão inabalável de aproveitar ao máximo minha preguiça de domingo, já estava decidido a engatar na leitura de um outro livro, dessa vez algo menos pesado, um romance infanto-juvenil cujo o subtítulo é ‘Porque ninguém precisa de namorado para ser feliz’. O título do livro é The Lonely Hearts Club e conta a história de uma garota que cansada de se desiludir com os garotos, resolve fundar um clube em homenagem aos quatro caras que nunca a decepcionaram na vida: John, Paul, George e Ringo. Achei o mote e a capa do livro – quatro amigas atravessando a famosa faixa de pedestre em frente o estúdio dos Beatles na Abbey Road – criativos e bem humorados e por isso resolvi lê-lo. Por isso e porque também estava numa fase de contestar as paixões avassaladoras, aquelas que passam como um furacão e nos tiram o equilíbrio. Sentia vontade de militar por alguma coisa. Não fui pro churrasco da gente diferenciada de Higienópolis. Não sou lactante e por isso não pude participar do mamaço no Itaú Cultural. Mas estava realmente interessado em criar um movimento político e me identifiquei com o The Lonely Hearts Club. Todas as frases que publicava no meu status do Facebook tinham um cunho político a favor da Solidão Bem Resolvida, caso dessa última, trecho da canção Hoje eu tô sozinha da Ana Carolina: ‘Logo agora que eu parei/Parei de te esperar/De enfeitar nosso barraco/De pendurar meus enfeites/Te fazer o café fraco/Parei de pegar o carro correndo/De ligar só pra você/De entender sua família/E te compreender.’

Pois bem, como vocês leram, essa foi a última frase que postei nessa linha ‘auto-suficiente’ porque nesse mesmo domingo, o amor meu apareceu da forma mais inesperada e como militante de meia tigela que sou, mudei o discurso mais que depressa e com convicção bradava que, no fim das contas, quem tá certo é o Tom Jobim que diz que é impossível ser feliz sozinho. E por isso amei com fé. E por isso morri de amor pra não me arrepender depois que o tempo tivesse passado. Mas de novo a solidão veio. E o amor não venceu o tédio.

Mas parecia tão óbvio que iria terminar assim, me disse uma amiga. Para logo em seguida, me perguntar: ‘Por quê? Por quê tudo de novo? Que fé nas relações inabalável é essa que você tem?’ Não sei de onde vem essa vontade de acreditar. Talvez essa vontade de acreditar no amor seja uma maneira de não encarar outros desejos que, por hora, seriam mais primordiais, como bem descreve Contardo Calligaris em sua crônica Considerações sobre novos desejos:

'Imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ("deixe para lá, é besteira"). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá sua alegria. Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos? Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente, afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.'

Pensando em tudo isso, me veio à mente a música de hoje que, acredito, todos vocês já devem ter cantarolado em dado momento e foi justamente por estar com os joelhos doendo é que cantei:

‘Se meus joelhos não doessem mais diante de um bom motivo que me traga fé’

Estou falando de Pescador de Ilusões que, na minha opinião, é a música mais bonita do Rappa Mundi, o disco de estréia d’O Rappa. Quiçá, a música mais bonita da banda.

A música começa com a frase que destaquei acima, demonstrando uma falta de vocação para a devoção. Mesmo que por um bom motivo, seu autor parece pensar duas vezes perante o ato de se ajoelhar por algo. Considerando que ajoelhar-se é um ato de reverência, adoração, submissão e até mesmo humilhação, não há bom motivo que justifique tanto sacrifício.

Na seqüência, vem o trecho:

Se por alguns segundos eu observar – e só observar – a isca e o anzol/Ainda assim estarei pronto para comemorar/Se eu me tornar menos faminto que curioso/ O mar escuro trará o medo lado a lado com os corais mais coloridos

Acho geniais esses versos que me remetem àquela velha parábola zen budista em que o Mestre Arqueiro diz ao seu discípulo para não mirar o alvo. É como se ele dissesse que existem várias outras coisas no percurso da flecha até o seu alvo. Coisas tão díspares e ao mesmo tempo tão complementares como distração e concentração. Paciência para observar e consciência para poder ser pleno no momento em que o alvo finalmente for acertado. Ser menos faminto e mais curioso. Menos pressa. Mais tato. Menos impulsividade. Mais sensibilidade. Menos intensidade. Mais continuidade. Como no ensinamento de Seymor, personagem-fetiche de J. D. Salinger, ao seu irmão mais novo enquanto ele estava jogando bola de gude num fim de tarde de 1927 em Nova York, que transcrevo aqui:

'Com as luzes do toldo às costas, o rosto de Seymor estava na penumbra, pouco nítido. Ele tinha dez anos. Pelo jeito que se equilibrava no meio-fio, pela posição de suas mãos, pela... pela incógnita x, eu sabia tão bem quanto agora que ele estava cônscio da magia da hora. “Por que você não tenta mirar menos?”, perguntou-me sem se mover do lugar. “Se você acertar quando mirar, vai ser por pura sorte”, continuou falando, comunicando, sem por isso quebrar o encanto. Então EU tratei de quebrar o encanto. De propósito. “Como é que vai ser SORTE, se eu MIREI?”, respondi não muito alto (apesar da ênfase gráfica) porém com mais irritação na voz do que estava de fato sentindo. Ele não disse nada por alguns instantes, apenas se deixou ficar equilibrado no meio-fio, olhando-me, eu sabia imperfeitamente, com amor. “Porque vai ser”, acabou dizendo. “Você vai ficar SATISFEITO de acertar a bola dele, não vai? Não vai ficar SATISFEITO? E, se você fica SATISFEITO quando acerta a bola de alguém, então secretamente, é porque não esperava muito acertar. E é por isso que tem de haver uma dose de sorte, tem de ser meio sem querer”.

E meio sem querer, Salinger, continuo seguindo. Distraído, impaciente e indeciso. Ousando catar na superfície de qualquer manhã as palavras de um livro sem final. Se valeu a pena? Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, já dizia o brado lusitano. E eu digo que sim. Valeu a pena. Sou Pescador de Ilusões.


Pescador de Ilusões


Se meus joelhos não doessem mais
Diante de um bom motivo
Que me traga fé

Se por alguns segundos eu observar
E só observar
A isca e o anzol
Ainda assim estarei pronto pra comemorar
Se eu me tornar menos faminto que curioso
O mar escuro trará o medo lado a lado
Com os corais mais coloridos

Valeu a pena
Sou pescador de ilusões

Se eu ousar catar
Na superfície de qualquer manhã
As palavras de um livro sem final

Valeu a pena
Sou pescador de ilusões


segunda-feira, 16 de maio de 2011

O que era doce virou sal


‘Amar é um ato de fé e quem tiver pouca fé, também terá pouco amor.’

Concordo em gênero, número e grau com a frase do psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm. Acho que todo amor é uma forma de entrega e, como tal, uma pequena revolução pessoal no nosso modo de ver as coisas do mundo. Quando se ama alguém e, de alguma maneira, se passa a dividir o seu tempo (que talvez seja aquilo que você tenha de mais precioso) com esse alguém, é preciso se deixar levar, acreditar que a vida é bela e o sol, uma estrada amarela como na canção do Chico. Não há espaço para titubeações se a pessoa que você enxerga ao seu lado é digna da sua admiração. Então, o que você está esperando para se jogar de ponta cabeça, de olhos fechados? Confiança, você pode me responder. Mas isso se conquista com o tempo, lhe direi. Então não há mesmo outra opção senão acreditar. Acreditar que tudo vai dar certo. Porque como diria Alexandre, o Grande: ‘A sorte favorece os audaciosos’.

E não é sempre que teremos esse fulgor, essa vontade de lançar os dados, de arriscar, de jogar tudo pro alto, de recomeçar. Vivo batendo na tecla de que a maturidade é o oposto da espontaneidade. E é muito difícil encontrar numa relação duas pessoas que estejam em pé de igualdade nesses dois quesitos. Sempre vai ter um que pisa no freio enquanto o outro quer acelerar. E nessa disputa entre razão e emoção existem duas opções plausíveis. Ou você puxa o freio de mão no momento em que o outro está a 180 por hora fazendo com que o carro dê um cavalo de pau e pare no meio da pista sendo massacrado por um caminhão; ou você pisa mais forte no acelerador e pára à beira do abismo, naquele lugar onde, queira ou não queira estamos prestes a voar.

Então, você já sabe de que lado está? É cara ou coroa? Comedimento ou paixão? Febre ou hipotermia? A sorte de um amor tranqüilo com sabor de fruta mordida ou você precisa de alguém sem o qual você passe mal, sem o qual você não seja ninguém? Mas não existe um meio termo?, você deve estar se perguntando. Pelo menos hoje não. Porque hoje eu quero decifrar uma letra que é 8 ou 80 interpretada por uma cantora da novíssima geração da MPB.

Escutei essa música pela primeira vez saindo de uma balada. Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite e comigo não foi diferente. Lá estava eu, mais uma vez, numa pista de dança, entre fumaças e neons, todo torpor, esperando acontecimentos. E eles vieram. Conheci um menino bonito, mas que como na música de Rita Lee, também não dizia mais nada. Mas naquele momento eu não sabia disso. E nem queria saber. Queria acreditar. Saímos dali à luz do dia. E aquela noite de sábado luminosa e radiante havia se transformado numa manhã de domingo melancólica com a garoa paulistana dando o ar de sua graça. Seria aquilo um sinal de mau agouro? Poderia até ser, mas naquele momento não quis, não podia, não queria captar nada. Queria viver. Pegamos um táxi. Quando entramos no carro, escuto os primeiros versos dessa canção no rádio:

Tem que amar com fé/Tem que morrer de amor/Pra não ser arrepender depois que o tempo passou

Adorei a melodia, a voz daquela cantora que ainda não sabia quem era. Mas quando cheguei em casa e joguei a letra no Google, descobri que era uma velha conhecida, uma pessoa, aliás, muito representativa da época em que vivemos já que havia participado de um reality show em que podia ser observada vinte e quatro horas por dia enquanto estava lá. Estou falando de Danni Carlos, que ficou em segundo lugar na primeira edição d’A Fazenda, programa exibido na Record. Se você é daquelas pessoas que acham que só porque uma pessoa participou de um programa tão voyeurístico, ela não pode te oferecer nada de bom, sugiro que encerre sua leitura por aqui. Ou melhor, sugiro que você veja o que o deputado federal do PSOL Jean Wyllys, vencedor da quinta edição do BBB tem feito no Congresso Nacional.

Voltando à Danni Carlos, depois de ter gravado alguns discos de covers de rocks e baladas internacionais, ela aparece com um disco de músicas inéditas com o sugestivo nome de Música Nova em que nos apresenta algumas boas canções, como Doce Sal, que hoje tento decifrar. Curioso notar que, no caso de Danni, sua participação no programa da Record foi bastante positiva, já que esse disco foi gravado em 2007, mas algumas músicas só foram tocar nas rádios em 2009, época em que o programa estava no ar.

Voltando à letra, já citei aqui os seus primeiros versos que são: ‘Tem que amar com fé/Tem que morrer de amor/Pra não se arrepender depois que o tempo passou’. Logo em seguida, na maior naturalidade, sem nenhuma pausa dramática, Danni emenda os seguintes versos que são diametralmente opostos aos anteriores:

‘Tem que dizer adeus pra não acomodar/Mentira por mentira eu prefiro ficar só/Sem você/Sem ouvir, nem dizer’

Quando disse lá em cima que a letra dessa canção era 8 ou 80 não estava brincando. E acho que isso fica bem claro no paradoxismo desses primeiros versos, que por mais contraditórios que possam parecer, conservam uma coisa em comum que é a intensidade de seu interlocutor que, ao mesmo tempo em que ama com fé e morre de amor pra não se arrepender depois que o tempo passou, diz adeus pra não se acomodar. Radical? Talvez. Mas também muito honesto. Versos ditos por uma pessoa que se conhece muito bem e que sabe o que pode lhe fazer feliz. Que não se contenta com migalhas. Que não suporta a rotina. Que talvez viva um tipo de amor que não pode dar certo sob à luz da manhã, como aquele cantado por Caetano em Eclipse Oculto. Mas que pede em troca aquilo que ela dá: a entrega. Sem simulações de desejo. Porque foi amada demais pra aceitar tão pouco. E por isso, prefere a solidão, o silêncio.

Continuando na canção, seguem os próximos versos:

‘Porque acabou-se/O que era doce virou sal/E o mundo continua indo e vindo/É natural/Noites tão modernas/Chances infinitas de encontrar alguém que faça minha cabeça sem precisar pensar.’

Estilisticamente, acho genial a construção dos dois primeiros versos. A melodia da canção o encerra numa primeira frase curta (Porque acabou-se) e abre a segunda frase (O que era doce virou sal) e brinca com um dito popular: Porque {ACABOU-SE O QUE ERA DOCE} virou sal. E dessa maneira, a letra nos passa uma noção de naturalidade desses acontecimentos que poderiam ser tão trágicos, mas que, aos olhos do narrador não passa de desdobramentos naturais dos ciclos da vida. Sem dramas. Afinal de contas, o mundo continua indo e vindo. E como na música Virgem da Marina Lima, ele parece dizer: ‘As coisas não precisam de você/Quem disse que eu tinha que precisar?’ E que venham novas histórias vividas em noites modernas como naquele sábado luminoso que virou um domingo nublado em que peguei um táxi querendo viver mais uma história de amor que não passou de dois ou três encontros. E que foram experimentados de uma maneira única para que eu pudesse viver os próximos encontros que estavam por vir. Coisas que uma cidade como São Paulo me propicia. Como também propicia esses desencontros mais do que comuns. São as sortes e os revezes de um apostador de alto risco, disposto a jogar até a última ficha já que as chances são infinitas. E as opções bem distintas. Um dia da caça. Outro do caçador. Um dia alguém que faça a minha cabeça. Noutro alguém que deseje o meu corpo.

Como nos versos da canção, eu sugiro:

Se a solidão vier, tenta se apaixonar, vivendo o dia-a-dia, deixando rolar. Mas tem que ser alguém que valha a pena amar.

Mesmo que seja aquele grande amor cantando por Ângela Rô Rô:

Amor, meu grande amor

Só dure o tempo que mereça

E quando me quiser

Que seja de qualquer maneira

...

E quando me encontrar

Meu grande amor, por favor

Me reconheça.


Doce Sal

Composição: Danni Carlos

Tem que amar com fé
Tem que morrer de amor pra não se arrepender depois que o tempo passou
Tem que dizer adeus pra não acomodar
Mentira por mentira eu prefiro ficar só

Sem você

Sem ouvir, nem dizer
Porque acabou-se

O que era doce virou sal
O mundo continua indo e vindo, é natural
Noites tão modernas, chances infinitas de encontrar alguém que faça minha cabeça sem precisar pensar

Se a solidão vier, tenta se apaixonar

Vivendo dia e dia, deixando rolar
Mas tem que ser alguém que valha a pena amar
Mentira por mentira eu prefiro ficar só

Sem você, sem ouvir, nem dizer
Porque acabou-se

O que era doce virou sal
O mundo continua indo e vindo, é natural
Noites tão modernas, chances infinitas de encontrar alguém que faça minha cabeça sem precisar pensar


terça-feira, 3 de maio de 2011

Adoro um amor inventado




‘Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?’ – Eduardo e Mônica, Legião Urbana

‘O coração tem razões que a própria razão desconhece’. – Pascal

Tenho uma amiga que é radiante. É linda, inteligente, tem uma personalidade fortíssima, um corpo estonteante. É o tipo de mulher que quando entra em qualquer lugar rouba todos os olhares para si. Tem um ar naturalmente blasè, um mau humor genuíno. Não é do tipo que faz charme. Ela é O Charme. Estudou cinema, lê boa literatura, sabe tudo de teatro. É sensível e profunda. Observadora perspicaz. Ninguém escapa da sua visão de Raio X. Seu olhar ferino não poupa ninguém. Algumas mulheres a admiram, outras a invejam. Os homens a desejam. As bichas queriam ser ela.

Você deve estar pensando ‘Nossa! Uma personalidade tão interessante! Não lhe devem faltar pretendentes!’ Mas o fato é que essa minha amiga está solteira há tempos. Conversando ontem com ela, lhe disse que não conseguia vê-la com um namorado, um homem que aceitasse ser ofuscado pelo seu brilho, a não ser que fosse um homem de pouco brio, pois saberia que tal qual na música Fogo do Capital Inicial, chegaria a hora em que teria que lhe dizer: ‘Você é tão acostumada a sempre ter razão/Você é tão articulada/Quando fala não pede atenção/O poder de dominar é tentador/Eu já não digo nada/Sou todo torpor. ’ Mas para meu espanto, essa minha amiga, me confidenciou o seguinte: que é sim exigente, e que tem os seus critérios, principalmente intelectuais, mas que quando está a fim de um cara, ela, essa minha amiga misto de Mulher Maravilha com Scarlett O’hara, vira uma mulherzinha carente e que, no fim das contas, como na música de Rita Lee admite que ‘toda mulher quer ser amada, toda mulher quer ser feliz, toda mulher se faz de coitada, toda mulher é meio Leila Diniz’.

É interessante notar que segundo relatos do Domingos de Oliveira, que foi casado com Leila Diniz, ela era uma mulher romântica dada às invencionices da paixão. Na minha opinião, é libertador saber que a musa da contracultura brasileira, aquela mulher desbocada e revolucionária que transgrediu o comportamento de uma sociedade aparecendo de biquíni com um barrigão de oito meses de gravidez na praia de Ipanema quando ninguém ousava fazer isso, no fundo era uma romântica. Que se preciso fosse, iria para o fogão fritar um ovo para o parceiro que chegou de porre da boemia. Que sejam feitas todas as vontades da alma! Revolucionários ou domésticos, podemos ser tudo, desde que venha de dentro!

O fato é que é cada vez mais difícil ser romântico. Nosso DNA já está decodificado com todas as cicatrizes de nossas desilusões amorosas. Quanto mais maduro, menos espontâneo! Tudo isso porque o amor foi colocado num pedestal quase inatingível, virou uma utopia! Mas e se eu quiser inventar um amor? Ou dois? Com tantas maneiras de enganar a morte por que eu não me permito ter um grande amor a cada semana? Afinal de contas, existe o amor e O Amor. O primeiro me salva o dia naquela tarde vazia. O segundo pode me salvar a vida. Mas enquanto este último não aparece, faço coro com Paula Toller e reverbero aqui suas palavras: “adoro dizer ‘eu te amo’ sem romantismo, sem planos, sem compromisso de ser feliz”

O termo ‘canção de amor’ já é por si só um clichê. Mas a vida também é feita de clichês. Situações ou pessoas, os estereótipos nos circundam. Por isso separei aqui, algumas frases do mais puro amor romântico, presentes em nossa música. Algumas você já ouviu com certeza. Outras, quero ter o prazer de lhes apresentar.

- Todo atalho finda em seu sorriso – Contra o Tempo, Vander Lee.

- Nas horas sem fim, em que a dor não tem mais cabimento, é no teu prumo que eu me oriento. – Os Presentes, Eliana Printes.

- Há dias que eu sonho beijos ao luar em ilhas de fantasia. Há dias com azia, o remédio é o teu mel. – Vem Comigo, Cazuza.

- Como é doce o beijo quando vem da sua boca. Dá uma vontade de levar você comigo. – Mel da Boca, Copacabana Beat.

- É febre, amor, e eu quero mais. Tudo que eu quero, sério, é todo esse mistério. – Charme do Mundo, Marina Lima

E para coroar o post com uma ode ao romantismo, apresento-lhes a canção de hoje. Essa música composta por Nado Siqueira, já foi gravada por Vander Lee. Mas a versão que posto aqui é cantada por uma maranhense danada, que solta fogo pelas ventas e que tem o cabelo cor de fogo. Uma mulher que dentre outras coisas, se pinta com as cores de Oxossi e nos mostra o melhor da tecnomacumba. Se você ainda não ouviu falar de Rita Ribeiro, corrija esse erro agora, ouça essa mulher desvairadamente. Ela tem muito a oferecer aos seus ouvidos. Tire suas próprias conclusões escutando a música de hoje que se chama, oh! surpresa!, Românticos.

Nem preciso dizer o quanto eu, um ariano torto que vive de amor profundo e adora um amor inventado, se identifica com a letra dessa música. Mas como diria (de novo) Rita Lee: ‘Não me suicidei por um triz! Ai, de mim que sou romântico!’.

Do alto da minha pseudo-maturidade que meus parcos 32 anos me asseguram, digo com toda a certeza do mundo de que não me arrependo nem um pouco de ter sido um louco desvairado. De ter tido vontade de estar na pele do outro. De levar o cheiro dele comigo. Ou de prolongar o cheiro que ficou no travesseiro. De ter sido ingênuo a ponto de ter mandado uma mensagem de SMS pruma pessoa dizendo que ‘aquele havia sido o dia mais feliz da minha vida’ e ver essa pessoa se esvair como poeira no deserto. De ter chorado ouvindo La Vien Rose. De ter arranhado o carro dele. De ter atirado pedra na sua janela. De ter bebido até cair. De pedir desculpas por um erro que eu nunca cometi. De ainda amar com fé.

Porque apesar de tudo, eu ainda faço das palavras de Liz Gilbert, as minhas palavras:

‘As sensações mais extasiantes que tive na vida surgiram quando me consumia na obsessão romântica. Esse tipo de amor nos deixa super-heróicos, míticos, mais do que humanos, imortais. Irradiamos vida; não precisamos dormir; o ser amado enche nosso pulmão de oxigênio. Por mais que, no final, essas experiências sejam dolorosas (e para mim sempre acabam em dor), detestaria ver alguém passar a vida inteira sem saber como é metamorfosear-se euforicamente no ser de outra pessoa.’

Eu também, Liz. Eu também.


Românticos

Composição: Vander Lee

Românticos são poucos
Românticos são loucos desvairados
Que querem ser o outro
Que pensam que o outro é o paraíso

Românticos são lindos
Românticos são limpos e pirados
Que choram com baladas
Que amam sem vergonha e sem juízo

São tipos populares
Que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
Que passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão

Romântico é uma espécie em extinção.